“É pena não haver net, senão fazia uma story da lua. Mas a lua está lá e continua bonita”

Entrevista a António Afonso Parra
Por Ana Rita Rodrigues

21.11.2024

Contexto

Esbater uma fronteira para escrever sobre ‘novas realidades’ – esta é a premissa Writing On New Realities, um projecto dramatúrgico de colaboração internacional entre A Turma (Porto) e a Galata Perform (Istambul), que se desenvolve ao longo de dois anos através de laboratórios de criação e residências artísticas em ambos os países. Iniciado com a primeira residência artística em outubro de 2023, o projecto desafiou os dramaturgos António Afonso Parra e Tiago Correia (A Turma) e Ferdi Çetin e Yeşim Özsoy (Galata Perform) a escrever uma peça partindo da premissa "novas realidades que vivemos hoje" e da procura de um teatro que esteja além do conceito de fronteira. Foi assim que nasceram Fumo, de Tiago Correia, A Experiência, de António Afonso Parra, Delirium Aksak, de Yeşim Özsoy, e Adormeci em Frente à Televisão a Pensar na Origem da Propriedade Privada, Acordei Com a Voz do Meu Pai, de Ferdi Çetin. As peças portuguesas são apresentadas a 23 de Novembro, no âmbito do IO International Theatre Festival, em Istambul, e a 7 de Dezembro será a vez de apresentar as peças turcas em Portugal, sob a forma de leituras encenadas, dirigidas pelos dramaturgos e encenadores portugueses, no âmbito do encontro da União de Teatros da Europa em parceria com o Teatro Nacional São João. Todas as peças têm tradução de Bengi de Sá Matos Paixão.

Ao longo das últimas semanas, conversei com cada um dos dramaturgos sobre a peça desenvolvida para este projecto, o que culminou num conjunto de quatro entrevistas, agora publicadas no Jornal d’ A Turma.

A Experiência acontece num fim-de-semana passado numa casa de campo, num lugar remoto onde a rede é fraca; onde a lua resiste, lá no alto, a um certo desgosto de alguns dos amigos que sob ela pernoitam, por não terem rede suficiente para registá-la e instantaneamente publicá-la nas redes. Quem está nesta casa é borboleta que finge não ter uma asa partida ao mesmo tempo que bebe, fala, se perde, se reencontra, se volta a perder. Respira-se “qualquer coisa de um final de juventude”; como se estivéssemos numa viagem de finalistas que fingíssemos durar para sempre. Há um confronto com questões e dilemas que exigem uma decisão que a internet – mesmo que a rede permita finalmente chegar, não consegue resolver. Há uma rádio permanentemente ligada e a indiferença a ela, manifestada todos os que ocupam este espaço, como se a não escutassem – ou fingissem fazê-lo. Há mundano como ponto de partida para falar de novas realidades e posicionamentos diante do mundo. Há excesso, há libertinagem sem expiração aparente – por mais que se saiba que a manhã regressa sempre e será hora de partir desta casa que, mais que um espaço físico, nos leva para um lugar mental comum a este grupo de amigos.

Conversei com António Afonso Parra, a propósito desta peça – uma conversa que se lê abaixo.

 

Entrevista

Ana – Como é que chegaste até esta Experiência, até este grupo de pessoas que a vivem? Como é que elas se cruzam por esta premissa de falar sobre novas realidades?

António – Estive durante cerca de meio ano a pensar sobre o que é que eu deveria fazer e à medida que ia vendo filmes, lendo livros, falando com pessoas, fui tirando ideias. Esta ideia de um grupo de pessoas a passar um fim-de-semana numa casa de campo veio de uma conversa com uma amiga que me disse que tinha ido passar um fim-de-semana ao Gerês com uns amigos e que tinham decidido experimentar cogumelos. Este foi o ponto de partida. Pareceu-me uma situação interessante, no sentido em que as pessoas estão num sítio isolado e fora de casa, sob influência, neste caso de droga. O que me interessava aqui era a influência de algo que os pusesse ainda mais fora do seu sítio normal. Quer a nível de raciocínio, quer a nível de comportamento. Este cenário pareceu-me ser um bom tabuleiro para o jogo. Uma casa de campo, pessoas em drogas e ver o que é que acontecia. Queria também que existisse um casal e que o resto fosse um grupo de pessoas que tivessem estudado juntas na faculdade. Este foi mais um ponto de partida para a criação das personagens.

 

Ana – Nota-se que há uma intimidade entre eles.

António – É um grupo de amigos. Nota-se que o namorado da Raquel é uma personagem um pouco outsider – aquela pessoa que pertence ao grupo por ser namorado de um dos membros do grupo.

Voltando à história que a minha amiga me contou: eu não sei o que é que se passou entre eles durante aquele fim-de-semana, mas pareceu-me um bom ponto de partida criar este grupo de pessoas. Quando falamos em “novas realidades”, acabamos por levantar inúmeros temas. O modo como a personagem do André, vindo de um meio pequeno e homofóbico, acaba por trazer também esse lado de confronto com a homossexualidade, é, em parte, inspirado pela minha terra, um meio pequeno onde as pessoas se assumem já tarde. Algo em que a nossa cultura está ainda atrasada.

" qualquer coisa de um final de juventude que estas personagens sentem"

 

Ana – E porquê um casal?

António – O casal interessava-me no ponto de vista do reality show. Um reality show dura quatro meses e isto é uma noite, mas queria ver como é que os casais resistiriam ao álcool, à tentação e a pressões, que neste caso até acabam por cair mais para o André do que para a Raquel – até porque ele tem uma homossexualidade reprimida que acaba por vir ao de cima nessa noite. Também quis que houvesse um casal que se desmoronava, pelo meio. A gravidez veio depois. Logo de início tive a ideia do jacuzzi como espaço onde iria acontecer alguma coisa àquele casal e que não iria acabar bem.

Em relação à gravidez, falando em ‘novas realidades’, achei importante referi-la pela seguinte razão: na geração dos nossos pais, a gravidez era um percurso normal – tirar um curso, casar e ter um filho. Na nossa geração, ter filhos já não obriga a que as pessoas estejam juntas.  Cada vez mais temos pais separados. Daí que tenha colocado o grupo todo a debater e a discutir qual a melhor coisa a fazer quando duas pessoas já não estão apaixonadas e vão ter um filho. Tal como dizem a Raquel e o André um ao outro, ‘no papel’ aquilo faz todo sentido: eles gostam muito um do outro, mas há qualquer coisa de um final de juventude que estas personagens sentem. Há um questionamento: é isto que vai ser a minha vida? Vou ficar com esta pessoa para sempre? Ou ainda tenho tempo para procurar outra coisa? Este tem sido um dos dilemas de que eu tenho falado com amigas que estão perto dos 40 e querem ser mães, e que se questionam se devem jogar pelo seguro ou ainda têm idade para arriscar. Na nossa geração, somos pais cada vez mais velhos, mas no caso das mulheres há a dimensão biológica, que surge perto dos 40, sobretudo quando uma mulher quer ser mãe e ainda está solteira, ou se está com alguém que não tem a certeza de ser a pessoa indicada para ter filhos.

 

Ana – Há uma parte em que a Raquel diz ao Filipe que iria dar um óptimo pai, e que, mesmo que a relação chegue ao fim, poderiam avançar com a hipótese de ter um filho. É relevante trazeres isso ao de cima, essas novas possibilidades de relacionamentos.

António – Nas últimas décadas criámos um paradigma novo: não precisamos de ter uma família ou de estar casados para ser pais, mães. Há casais de mulheres homossexuais que querem ser mães e, em vez de adoptarem, pedem a amigas para conceber a criança. Estas são novas realidades, coisas que há 20 anos, pelo menos aqui em Portugal, aconteciam tanto. E daí que haja esse pensamento da Raquel: “mesmo que não estejamos juntos, vais ser um óptimo pai – uma pessoa em quem eu confio, quem eu gosto e que sei que vai fazer um bom trabalho, que se vai manter por perto”. É mais uma possibilidade, que depois acabou por não se confirmar. A peça fica um pouco em aberto, mas eu acho que a Raquel toma a decisão de que não vai para a frente com isto.

 

Ana – Estavas a falar sobre os primeiros rascunhos. Houve muita coisa que mudou ao longo da escrita?

António – Eu fui deixando-me ser surpreendido pelas personagens. Escrevi a peça de forma cronológica, ao longo de coisa de cinco meses. À medida que eu ia escrevendo, e que as personagens iam ganhando novas camadas, eu perguntava: “esta personagem está a sentir isto, mas será que ela está a sentir isto desde o início?” Então voltava ao início, sem reescrever a peça, mas acrescentando uma ou duas deixas aqui e ali, e a dando sempre mais informação. O processo foi sempre esse: ir escrevendo, voltar ao início, reler e acrescentar coisas, chegar ao ponto em que estava, desenvolver mais um bocado, voltar ao início e ir sempre escrevendo por cima do que já tinha. O que foi um pouco caótico, porque esta escrita é caótica: peça é um pouco barulhenta, eles não se calam.

 

Ana – Sim, parece uma conversa longa e permanente.

António – E é: é um jantar de amigos, e não há muitos silêncios em jantares de amigos, mesmo que as pessoas não tenham nada para dizer.

 

Ana – Há alguma personagem que tenha acabado a revelar-se de uma maneira que não esperavas?

António – O Pimento e o André. Porque os outros acabariam por ser criados à luz de estereótipos. Pimento é o wild card, o mais maluco, o mais alternativo, digamos assim; A Filipa é aquela rapariga que é muito certinha, mas que, à medida que vamos conhecendo, vamos percebendo que é desequilibrada; uma versão feminina do Pimento. E o casal, que no início não tinha interesse nenhum, que tinha a Raquel como rapariga bonita e o André enquanto pessoa que não pertence àquele mundo, que é um gajo dos negócios, uma pessoa talvez mais orientada à direita, politicamente mais conservadora. Esses dois, sim, surpreenderam-me. O conflito maior na peça é o tema da separação e da gravidez, o que lhes permitiu reflectir sobre o que é que é o amor, o que é o sexo, em que fase da vida é que estavam. E depois outro envolvimento, que acabou por ser uma surpresa para mim. O André acabou também por se revelar outra coisa que não o estereótipo que eu tinha para ele. Era uma personagem muito mais bidimensional, no início.

 

Ana – Há um momento em que se fazem brindes a tudo. Há aqui uma tentativa de viver ao extremo numa só noite. É um brinde interminável e simbólico: no fundo, acabas por falar sobre um excesso que está condenado a desparecer mal este fim-de-semana termine. Na segunda-feira regressam ao ‘mundo real’ e à rotina, e é como se isto passasse a ocupar um lugar onírico; como se não tivesse acontecido.

António – Viver ao extremo no sentido em que eles vão para ali três dias para fazerem o que lhes apetecer. Já todos fomos passar fins-de-semana com amigos e sabemos como é: antes de chegar ao lugar onde ficamos, vamos ao supermercado carregar-nos de álcool e de comida, e não há horários. E há uma sensação de fuga – principalmente para pessoas nos finais dos trinta e que cada vez mais estão esmagadas pelo trabalho e pelos horários. Estas fugas não são bem fugas familiares porque não é como ir passar o Natal a casa dos pais, mas ir com amigos para uma terra de ninguém; para uma zona sem responsabilidade, digamos assim, onde as pessoas se podem libertar mais.

 

Ana – Ao mesmo tempo que há esta aproximação íntima entre eles, há também uma certa fragmentação de laços, relações que se transformam, outra que se desmorona.  É um paradoxo. Isto é algo que também tu podes considerar um sintoma desta modernidade ou que tivesse querido falar de alguma maneira.

António – A única coisa que fica específica que fica clara na peça é o casal termina a relação. Conseguimos talvez adivinhar que a relação do Hugo com a Raquel no futuro vai ter um choque qualquer se o Hugo e o André continuarem nesta onda de descoberta. Há um momento de descoberta uns dos outros porque também é para isso que serve este tempo que os amigos passam juntos, fora. Não é ao encontrares um amigo na rua e tomares um café em cinco minutos que vais chegar a este tipo de intimidade e de conversas. Aquele momento em que estão a Raquel, a Filipa e o Pimento no jacuzzi é importante porque eles estão com tempo para falar, e a Raquel acaba por abrir o livro. Os outros talvez não tenham esse espaço. A Filipa e o Pimento não têm esse espaço de abertura. Vão revelando quem são de uma forma mais espaçada ao longo do texto.

A questão do bebé e do casal acabou por roubar tempo a outras coisas que poderiam ter surgido na peça. Mas, ao ser revelado, pensei: “isto agora não dá para voltar para trás. Vamos ter de explorar este assunto e dar-lhe uma resolução, porque não há ninguém que, perante uma situação destas, comece a falar de outros assuntos.”

 

Ana – Aliás, esse é o momento em que todos se sentam no sofá para escutar e pensar em conjunto sobre o que fazer.

António – Como se diz na gíria, esta informação foi um “corta-mocas”. Ainda que não seja claro se eles estão realmente a sentir efeitos ou não da droga.

 

Ana – Quando comecei a ler a peça, ocorreu-me que pudessem nem ser cogumelos alucinogénios; que pudesse ser uma partida do Pimento.

António – Não é claro e eu acho que a peça dá para ser feita das duas maneiras: com eles a sentir uma grande broa de cogumelos, ou com eles em placebo, à espera de quando é que aquilo vai bater – até porque nunca chega a bater. Eles começam a ter comportamentos um pouco atípicos; a viver o efeito placebo em que vivem as pessoas que não conhecem nem mandam drogas e experimentam alguma coisa. Ao mesmo tempo, vão-se enfrascando todos.

 

Ana – Alguns a medo...

António – Sim, porque eles mandaram uma droga, mas não sabem como é que as coisas se vão combinar. A verdade é que eles bebem todos bastante, e há uma altura em que o álcool toma conta do estado deles. Em relação aos cogumelos, quer sejam o catalisador para estes acontecimentos quer não, acaba por haver um placebo porque as personagens acreditam que estão sob efeito de alguma coisa e que isso lhes dá mais liberdade e mais direito para falar sobre o que quiserem; para tirar as máscaras. Há um momento em que parecem adolescentes numa viagem de finalistas.

 

“Podemos estar numa casa com cem discos de vinil, mas as pessoas vão ao Spotify porque fizeram uma playlist. Acaba por haver uma crítica a este tempo e a esta nova realidade que é a dependência das pessoas à internet. (...) É sobre aceitação e fazer parte do grupo."

 

Ana – A peça começa com o facto de a internet estar fraca. Uma ideia em que se insiste – volta e meia, isso volta a ser um problema; a perturbar.

António – São os sinais dos nossos tempos. É o que toda a gente faz quando chega a um sítio: ligar-se ao wi-fi. E nós (falo de autores deste século) temos uma grande dificuldade em contornar a internet. Vejo uma quantidade imensa de textos contemporâneos em que a luz ou a net vão abaixo para podermos retirar essa ponta às personagens – porque a internet resolve-nos muitos conflitos e muita discussão, acima de tudo. Não podemos ter grandes discussões se as pessoas tiverem uma enciclopédia no bolso. Uma solução. Onde quer que a gente vá, o pessoal vai-se logo ligar à internet. Podemos estar numa casa com cem discos de vinil, mas as pessoas vão ao Spotify porque fizeram uma playlist. Acaba por haver uma crítica a este tempo e a esta nova realidade que é a dependência das pessoas à internet. Não está escrito, mas a música da rádio está sempre a dar ao longo da peça. Vão mudando de estação, mas, mesmo assim, eles continuam a insistir no quão fraca está a rede. Há um apontamento sobre a música que está a dar, em que a Filipa diz “que música depressiva.” Essa ideia de uma rádio que está continuamente ligada é algo que me interessa, até para o desenho de som da peça.

 

Ana – Há uma parte em que o Pimento diz: “pronto, agora fingimos que está a bater bués e ficamos aqui a olhar uns para os outros”. Esta ideia de fingimento leva-me a pensar que talvez nem eles próprios estejam a acreditar muito naquilo que estão a fazer. Como se ao mesmo tempo que quisessem muito viver aquela noite, por dentro estivessem a ridicularizar aspectos desse tempo. 

António – Às vezes, as pessoas ficam um bocado mais eufóricas por estarem onde estão. Quando vais com os teus amigos a um festival de música mas estás a ter um dia mau e estás cansada, os teus amigos estão a curtir e tu forças-te a estar no mesmo sítio que eles, ou acabas até por criar também uma representação que os teus amigos e as pessoas à tua volta pensem que te estás a divertir imenso. É o teu grupo de amigos. Neste grupo em particular, sempre que alguém repara que está a sentir grande efeito dos cogumelos, pergunta-se se será a única pessoa – “será que os outros estão a curtir? E tu, já estás a sentir?” É a aceitação e é o fazer parte do grupo. E como isto é uma coisa de grupo, até a pessoa que está grávida manda os cogumelos. Só a Raquel não mandou, mas, mesmo assim, há um momento em que ela começa a falar da lua e eu, já depois de o ter escrito, pensei para mim:  “será que ela está a fingir, ou está mesmo a falar da lua?  Ou é só a Raquel a ser a Raquel, normal, a falar da lua?” Esta peça é polifónica: como fala de um jantar de amigos, não é como no teatro em que dois falam e os outros calam-se; podem falar ao mesmo tempo, pode haver muita confusão, e daí que as acções não estejam escritas – é para os actores descobrirem. Como isso é deixado em aberto, fica vago, o actor tem várias possibilidades: se os cogumelos batem ou não, se o álcool bate ou não; se sim, quando; se bebe sete copos de vinho ou se bebe dois. O jogo depende das pessoas que estiverem a interpretar. Quando faço zapping e paro em programas de reality show, vejo o caos e a barulheira que existem, as conversas paralelas; as faltas de respeito porque alguém está a falar e o outro fala por cima.

 

Ana – E a espionagem a quebrar a intimidade.

António – Há uma intimidade diferente entre estares com um amigo e estares rodeado de pessoas, que podem estar a ouvir o que estás a dizer.  Quando eles vão para esta casa, não esperavam nada do que vai acontecer. Queriam só curtir.

 

"Parece que se as pessoas não tirarem uma foto nunca estiveram nos sítios; que não é suficiente. Isto serve para viagens, experiências, filhos, cães. A descrição das coisas não é suficiente, vivemos no tempo da imagem. (...) Uma ida ao teatro devia ser para ti; não uma coisa para provar às outras pessoas."

 

Ana – A dado momento, o André diz: “isso é como viajares até Nova Iorque e, se não tirares uma foto na Estátua da Liberdade, então é porque não estiveste lá”. Volta e meia, voltas a falar sobre este apego e esta relação de banalização do tempo; de futilidade da nossa relação com o que nos rodeia.

António – É uma crítica que faço aos tempos modernos, nomeadamente às redes sociais. Parece que se as pessoas não tirarem uma foto nunca estiveram nos sítios; que não é suficiente. Isto serve para viagens, experiências, filhos, cães. A descrição das coisas não é suficiente, vivemos no tempo da imagem. E isso é triste. As pessoas vão ao teatro nacional e tiram foto ao tecto. Quando entram em teatros mais antigos e bonitos, começam a tirar fotos ao tecto e ao palco. Filmam os agradecimentos dos actores e depois põem nas redes sociais para mostrar que estiveram no teatro. Uma ida ao teatro devia ser uma coisa para ti, não uma coisa para provar às outras pessoas. Tu almoças porquê? Não é porque as outras pessoas querem saber que tu almoçaste; tu almoças porque tens fome! Não precisas de tirar uma foto à comida. Isso é algo que me incomoda. Como eles dizem: “é pena não haver net, senão fazia uma story da lua.” Mas a lua está lá e continua bonita. A quem é que interessa a story? As pessoas têm uma necessidade muito grande de mostrar aos outros que estão a viver, e enquanto estão a fazer não o estão a fazer.

 

Ana – Há um momento em que a Raquel fica melancólica, um pouco depressiva, e diz que quer ser invisível. Pergunta ao Hugo se nunca teve vontade de desaparecer. O que se passou com a Raquel, como é que ela chegou aqui?

António – Ela aí já está a sentir a pressão por saber que tem um problema para resolver. Nós é que ainda não sabemos. A Raquel é uma pessoa muito bonita. Também pode ser um jogo com essa oposição: a miúda que foi sempre bonita e observada tem vontade de desparecer. Pode ser isso ou pode ser a Raquel a pensar: “estou aqui com uma situação por resolver e apetecia-me desaparecer da face do mundo para não ter de lidar com isto.”

 

Ana – E sobre aqueles que se limitam a ler os cabeçalhos e os títulos das notícias; que “votam em quem não deviam e vivem fora da realidade”? O que tens a dizer?

António – É uma crítica a uma fação de esquerda que está a tentar fazer votos de protesto. Porque a esquerda tem desiludido os seus eleitores nas últimas décadas. São pessoas que para uma fuga qualquer se servem do mais fácil que têm à disposição. Daí que eu diga que leem os cabeçalhos e não as notícias, que é como dizer que vão votar no André Ventura, em Portugal; e no Trump, nos Estados Unidos. Se o cabeçalho disser “vou acabar com a corrupção”, por mais que a seguir venham duas páginas de propostas atrozes, as pessoas vão lembrar o cabeçalho e vão votar nessa pessoa. Está a acontecer até com pessoas de esquerda que estão a cair e a virar para esses partidos.  Imagino o André e os amigos mais de Iniciativa Liberal. Tivemos um exemplo há uma semana. A quantidade de pessoas democratas que virou para republicanos.  Os partidos de esquerda estão a tomar um rumo que os está a fazer perder eleitorado. A crítica aqui é essa, a uma coisa da nossa geração – e da geração a seguir à nossa, dos eleitores de agora, que estão a ter contacto com eleições e política neste momento. Lendo os cabeçalhos, é fácil decidir em quem se vota.

 

Ana – Uma pergunta sobre o ritmo: tudo isto parece passar-se a correr. Há uma parte em que falas da educação, onde se identifica esta pressa; esta departamentação do conhecimento, condenado a um prazo de expiração.

António – Queria criticar o sistema do ensino português, sim; que está na miséria. Não há investimento: experienciei-o enquanto aluno e enquanto professor, e sinto que estamos a ‘formar pessoas formadas’. Em vez de ser ensinar pessoas. É mais importante ter uma taxa de sucesso de alunos formados, um ranking, do que ter pessoas bem formadas a sair das escolas. Esquecemo-nos da parte humanística da educação e estamos a transformar alunos em autómatos; não vamos a fundo em nada, fica tudo pela rama. Se amanhã tenho um teste de vermelho, só preciso de estudar o vermelho. Passo no vermelho e daqui a dois anos já não me lembro de nada, porque foi uma coisa que aprendi superficialmente para um teste que tive de fazer.

 

Ana – Uma última crítica ao país que só acontece no Porto e em Lisboa, e que falar de Turismo não é nunca falar apenas de Turismo – mas falar de Política.

António – Claro, ao centralismo. Temos 70% da população no litoral e que o investimento no resto é muito baixo, e que isso é uma estupidez da parte de todos os governos que temos tido.

 

 

 

 

 

 

Breaking down a border to write about ‘new realities’ – this is the premise of Writing On New Realities, a dramaturgical project of international collaboration between A Turma (Porto) and GalataPerform (Istanbul). Developed over two years through creative laboratories and artistic residencies in both countries, the project began with its first artistic residency in October 2023. It challenged playwrights António Afonso Parra and Tiago Correia (A Turma) and Ferdi Çetin and Yeşim Özsoy (GalataPerform) to write a play inspired by the premise of “the new realities we live in today” and the search for a theatre that transcends the concept of borders.

This gave rise to Fumo by Tiago Correia, A Experiência by António Afonso Parra, Delirium Aksak by Yeşim Özsoy, and Adormeci em Frente à Televisão a Pensar na Origem da Propriedade Privada, Acordei Com a Voz do Meu Pai by Ferdi Çetin. The Portuguese plays will be presented on 23rd November as part of the IO International Theatre Festival in Istanbul. On 7th December, it will be the turn of the Turkish plays to be presented in Portugal, in the form of staged readings directed by the Portuguese playwrights and directors, during the European Theatre Union meeting in partnership with the Teatro Nacional São João. All plays have been translated by Bengi de Sá Matos Paixão.

Over the past few weeks, I have spoken to each of the playwrights about the work they developed for this project, culminating in a series of four interviews now published in A Turma’s Jornal.

A Experiência akes place over a weekend spent in a country house, in a remote location where the signal is weak; where the moon remains, high above, in defiance of the slight frustration of some friends who stay under it, unable to get a strong enough signal to capture and instantly share it on social media. Those in this house are butterflies pretending not to have a broken wing while drinking, talking, getting lost, finding themselves again, and losing themselves once more. There’s a sense of "something like the end of youth" in the air, as if we were on a graduation trip, pretending to last forever. There is a confrontation with questions and dilemmas that require a decision, which the internet – even if the signal finally allows us to connect – cannot solve. A radio is constantly playing, and there’s an indifference to it, expressed by all who occupy this space, as if they weren’t listening – or pretending not to. The mundane serves as a starting point for discussing new realities and positions toward the world. There is excess, there is libertinism without apparent expiration – even though everyone knows that morning always returns, and it will be time to leave this house, which, more than just a physical space, takes us to a mental place shared by this group of friends.

I spoke with António Afonso Parra about this play – a conversation you can read below.

 

Ana – How did you come to this experience, to this group of people who live it? How do they come together under this premise of talking about new realities?

António I spent about six months thinking about what I should do, and as I was watching films, reading books, talking to people, I started gathering notes. The concept of a group of people spending a weekend in a country house came from a conversation with a friend who told me she had gone for a weekend in Gerês with some friends, and they decided to try mushrooms. That was the starting point. It seemed like an interesting situation, in the sense that the people were in an isolated place, away from home, under the influence of drugs. What intrigued me here was the influence of something that would push them even further out of their normal state. Both in terms of reasoning and behavior. This scenario seemed like a good setup for the game. A country house, people on drugs, and seeing what would happen. I also wanted there to be a couple, and the rest to be a group of people who had studied together at university. That was another starting point for creating the characters.

Ana It’s clear that there’s intimacy between them.

António – It’s a group of friends. It’s clear that Raquel’s boyfriend is a bit of an outsider – that person who belongs to the group simply because he’s the boyfriend of one of its members.

Going back to the story my friend told me: I don’t know what happened between them that weekend, but it seemed like a good starting point to create this group of people. When we talk about "new realities", we end up touching on countless themes. The way the character of André, coming from a small, homophobic environment, ends up also bringing in this aspect of how he confronts homosexuality, is partly inspired by my hometown, a small place where people come out quite late. Something where our culture is still late.

 

"there’s something about the end of youth that these characters feel"

Ana – And why a couple?

António – The couple interested me from the perspective of the reality show. A reality show lasts four months, and this is one night, but I wanted to see how the couples would handle with alcohol, temptation, and pressures, which, in this case, actually fall more on André than on Raquel – especially because he has repressed homosexuality that comes to the surface that night. I also wanted there to be a couple that falls apart in the middle. The pregnancy came later. From the start, I had the idea of the jacuzzi as a space where something would happen to that couple, and it wouldn’t end well.

Regarding the pregnancy, speaking of 'new realities', I thought it was important to bring it up for the following reason: in our parents' generation, pregnancy was a normal path – getting a degree, marrying, and having a child. In our generation, having children no longer requires people to stay together. We have more and more separated parents. That's why I placed the whole group debating and discussing what’s the best thing to do when two people are no longer in love but are having a child. As Raquel and André say to each other, ‘on paper’, it all makes perfect sense: they really like each other, but there’s something about the end of youth that these characters feel because they’re in their 30s. There’s a questioning: is this going to be my life? Am I going to stay with this person forever? Or do I still have time to look for something else? This has been one of the dilemmas I’ve been discussing with friends who are nearing 40 and want to be mothers, and who question whether they should play it safe or if they still have time to take a risk. In our generation, we’re becoming parents older and older, but for women, there’s the biological dimension, which comes into play when they’re nearing 40, especially when a woman wants to be a mother and is still single, or if she’s with someone who isn’t sure they’re the right person to have children with.

 

Ana There’s a part where Raquel tells Filipe that he will be a great father, and even if the relationship ends, they can still go ahead with it. I think it was important for you to bring this up, new possibilities for relationships.

António – In the last few decades, we’ve created a new paradigm: we don’t need to have a family or be married to be parents. There are homosexual couples who want to be mothers and, instead of adopting, they ask friends to conceive the child. These are new realities, things that, 20 years ago, at least here in Portugal, didn’t happen as much. And that’s why there’s that thought from Raquel: “even if we’re not together, you’ll be a great father – someone I trust, someone I love, and someone I know will do a good job, who will stay around.” It’s just another possibility, which ended up not being confirmed. The play leaves it a bit open, but I think Raquel decides that she’s not going to go ahead with it.

 

Ana – You were talking about the first drafts. Did a lot change throughout the writing process?

António – I allowed myself to be surprised by the characters. I wrote the play chronologically, over the course of about five months. As I wrote, and as the characters gained new layers, I would ask myself, “This character is feeling this, but has she been feeling this from the start?” So I would go back to the beginning, without rewriting the play, but adding a line or two here and there, always giving more information. The process was always like that: write, go back to the beginning, reread, add things, reach the point where I was, develop a little more, go back to the beginning, and keep writing over what I already had. It was a bit chaotic because this writing process is chaotic: the play is a bit noisy, they never stop talking.

 

Ana Yes, it feels like a long and ongoing conversation.

António – And it is: it’s a dinner with friends, and there aren’t many silences in a dinner with friends, even when people have nothing to say.

 

Ana Is there any character who ended up revealing themselves in a way you didn’t expect?

António – Pimento and André. Because the others would have ended up being created through stereotypes. Pimento is the wild card, the craziest, the most alternative, so to speak; Filipa is the very proper girl, but as we get to know her, we realize she’s unbalanced; a female version of Pimento. And the couple, who at the beginning had no real interest – with Raquel as the pretty girl and André as the person who doesn’t belong in that world, the business guy, someone maybe more right-wing, politically more conservative. These two, yes, surprised me. The biggest conflict in the play is the theme of separation and pregnancy, which allowed them to reflect on what love is, what sex is, what stage of life they were at. Then there’s another involvement, which also ended up being a surprise for me. André ended up revealing something more than the stereotype I had for him. He was a much more one-dimensional character at the beginning.

 

Ana – There’s a moment when they make toasts to everything. There’s an attempt here to live life to the fullest in one single night. It’s an endless and symbolic toast: at the heart of it, you’re talking about excess, which is bound to disappear once this weekend is over. On Monday, they return to the ‘real world’ and their routines, and it’s as if this becomes a dreamlike experience, as if it never really happened.

António – Living to the extreme in the sense that they go there for three days to do whatever they feel like. We’ve all spent weekends with friends and know how it goes: before arriving at the place where we’re staying, we stop at the supermarket to stock up on alcohol and food, and there are no schedules. It’s a bit of a feeling of escape – especially for people in their late thirties who are increasingly overwhelmed by work and schedules. When we have these escapes – which aren’t really family escapes, because it’s not like going to your parents' house for Christmas, but going with friends to a no-man’s-land; to an area without responsibility, so to speak, where people can free themselves more.

 

Ana At the same time as there is this intimate closeness between them, there is also a certain fragmentation of bonds, relationships that transform, others that fall apart. It’s a paradox. Is this something you might consider a symptom of modernity, or something you wanted to explore in some way?

António – The only thing that remains clear and specific in the play is that the couple ends their relationship. Perhaps we can guess that Hugo and Raquel’s relationship in the future will face some kind of clash if Hugo and André continue down this path of discovery. There’s a moment of discovery between them because that’s also what this time the friends spend together outside is for. It’s not the same as meeting a friend on the street and having a quick coffee for five minutes – you won’t get to this level of intimacy or these kinds of conversations. That moment when Raquel, Filipa, and Pimento are in the jacuzzi is important because they have time to talk, and Raquel ends up opening up. The others perhaps don’t have that space. Filipa and Pimento don’t have that space to open up. They reveal who they are in a more spaced-out way throughout the text.

The issue of the baby and the couple ended up taking time away from other things that could have emerged in the play. But, once it was revealed, I thought: “Now there’s no turning back. We’ll have to explore this subject and give it a resolution, because no one, faced with a situation like this, would start talking about other things."

 

Ana – In fact, that’s the moment when they all sit on the sofa to listen and think together about what to do.

António – As we use to say, this information was a “game-changer.” Even though it’s not clear whether they’re really feeling the effects of the drug or not.

 

Ana – When I first read the play, it occurred to me that it might not even be hallucinogenic mushrooms; that it could be a prank by Pimento.

António – It’s not clear, and I think the play works either way: with them having a strong dose of mushrooms or with them on a placebo, waiting for it to kick in – because it never really does. They start behaving in a slightly atypical way, living the placebo effect that people experience when they don’t know what drugs they’re taking and try something. At the same time, they all end up drinking quite a lot.

 

Ana – Some, hesitantly...

António – Yes, because they’ve taken a drug, but they don’t know how things will turn out. The truth is: they all drink quite a lot, and there comes a point when alcohol takes over their state. Regarding the mushrooms, whether they’re the catalyst for these events or not, there ends up being a placebo effect because the characters believe they’re under the influence of something, and that gives them more freedom, more right to speak about whatever they want; to take off their masks. There’s a moment when they seem like teenagers on a graduation trip.

 

“We might be in a house with a hundred vinyl records, but people go to Spotify because they’ve made a playlist. There ends up being a critique of this time and this new reality, which is people's dependence on the internet. (...) It’s about acceptance and being part of the group."

 

 

Ana – The play starts with the fact that the internet is weak. It’s an idea that persists – every now and then, it becomes a problem again, disturbing things.

António – These are the signs of our times. It’s what everyone does when they arrive somewhere: to connect to the Wi-Fi. And we (I’m speaking of authors from this century) have a great difficulty in circumventing the internet. I see a huge number of contemporary texts where the lights or the internet go out to take that edge off the characters – because the internet solves a lot of conflicts and discussions, above all. We can’t have big debates if people have an encyclopedia in their pocket. A solution. Wherever we go, people immediately connect to the internet. We might be in a house with a hundred vinyl records, but people go to Spotify because they’ve made a playlist. There’s ultimately a critique of this time and this new reality, which is people’s dependence on the internet. It’s not written explicitly, but the radio music keeps playing throughout the play. They change stations, but even then, they continue to insist on how weak the signal is. There’s a remark about the music playing, where Filipa says “what a depressing song.” The idea of a radio that’s always on is something I’m interested in, even for the sound design of the play.

 

António – Sometimes people get a bit more euphoric just because of where they are. When you go to a music festival with your friends, but you’re having a bad day and feeling tired, your friends are enjoying themselves, and you force yourself to stay in the same place as them, or you even end up pretending that you’re having a great time so that your friends and the people around you think you’re enjoying yourself a lot. It’s your group of friends. In this group, particularly, whenever someone notices they’re feeling the effects of the mushrooms, they ask themselves if they’re the only one – “Are the others enjoying it? Are you feeling it yet?” It’s about acceptance and being part of the group. And since this is a group thing, even the person who’s pregnant takes the mushrooms. Only Raquel didn’t take them, but even so, there’s a moment where she starts talking about the moon, and after I wrote it, I thought to myself: “Is she pretending, or is she really talking about the moon? Or is it just Raquel being Raquel, talking about the moon in her normal way?” This play is polyphonic: because it’s about a dinner among friends, it’s not like traditional theatre where two people speak and the others stay quiet; they can speak at the same time, there can be a lot of chaos, and that’s why the actions aren’t written down – it’s for the actors to discover. Since this is left open, it remains vague, and the actor has many possibilities: whether the mushrooms kick in or not, whether the alcohol hits or not; if so, when; if they drink seven glasses of wine or just two. The game depends on the people playing the roles. When I switch channels and stop on reality shows, I see the chaos and noise, the parallel conversations, the lack of respect when one person speaks and the other talks over them.

 

Ana – And espionage breaking the intimacy.
António – There’s a different kind of intimacy between being with a friend and being surrounded by people who might be listening to what you’re saying. When they go to this house, they weren’t expecting any of what’s going to happen. They just wanted to enjoy themselves.

 

<o :p></o>"It seems that if people don’t take a photo, they’ve never been to those places; it’s not enough. This applies to trips, experiences, children, dogs. Describing things isn’t enough; we live in the era of the image. (...) A trip to the theatre should be for you, not to prove something to others."

 

 

Ana – At a certain point, André says: “that’s like travelling to New York and if you don’t take a photo, you weren’t really there.” Time and again, you return to speaking about this attachment and this trivialization of time; the futility of our relationship with what surrounds us.

António – That’s a critique I make of modern times, especially of social media. It seems that if people don’t take a photo, they’ve never been to those places; it’s not enough. This applies to trips, experiences, children, dogs. Describing things isn’t enough; we live in the era of the image. And that’s sad. People go to the national theatre and take pictures of the ceiling. When they enter older, more beautiful theatres, they walk in and start taking pictures of the ceiling and the stage. They film the actors’ thanks and then post them on social media to show they were at the theatre. A trip to the theatre should be for you, not to prove something to others. Why do you have lunch? It’s not because other people want to know what you had for lunch; you have lunch because you’re hungry! You don’t need to take a photo of your food. That’s something that bothers me. As they say: “It’s a shame there’s no internet, otherwise, I’d make a story about the moon.” But the moon is there, and it’s still beautiful. Who cares about the story? People have this huge need to show others they’re living, and while they’re doing that, they’re not really living.

 

Ana – There’s a moment when Raquel becomes melancholic and a bit depressive. She says she wants to be invisible. She asks Hugo if he’s never wanted to disappear. What happened to Raquel? How did she get to this point?

António – She’s already feeling the pressure because she knows she has a problem to solve, but we don’t know yet what it is. Raquel is a very beautiful person. It could also be a play on that opposition: the girl who has always been beautiful and observed now wants to disappear. It could be that, or it could be Raquel thinking: “I have a situation to resolve, and I’d like to disappear from the face of the earth so I don’t have to deal with this.”

 

Ana – What about those who only read the headlines; who "vote for who they shouldn’t and live out of reality”? Do you have anything to say?

António – It’s a criticism of a faction on the Left that’s trying to cast protest votes because the left has disappointed its voters in recent decades. These are people who, for some kind of escape, choose the easiest thing available to them. That’s why I say they read the headlines, not the news. It’s like saying they’ll vote for André Ventura in Portugal or Trump in the United States. If the headline says, "I will end corruption," no matter how many pages follow with appalling proposals, people will remember the headline and vote for that person. This is happening even with people on the left who are turning to those parties. I imagine André and his friends from Iniciativa Liberal. We had an example of this just a week ago. The number of Democrats who switched to the Republicans. Left-wing parties are heading in a direction that’s causing them to lose voters. The critique here is aimed at something from our generation – and the generation after ours, the voters now, who are experiencing elections and politics for the first time. Right now, the countries with whom we have a historical relationship are in decline. Reading the headlines, it’s easy to decide who to vote for.

AnaA question about the rhythm: all of this seems to happen in a rush. There’s a part where you talk about education, and you identify this hurry; this compartmentalisation of knowledge, doomed to an expiry date.

António – I wanted to criticise Portuguese education system, yes; which is in a miserable state. There’s no investment; I experienced it both as a student and as a teacher, and I feel like we’re training people who are "formed" rather than teaching them. It’s more important to have a success rate of graduates, rankings, than to have well-formed individuals leaving schools. We forget the humanistic side of education, and by turning students into automatons, we don’t delve into anything deeply, everything stays superficial. And that’s the logic: tomorrow I have a test on the colour red. I only need to study the red. I pass on the red and two years later I won’t remember anything because it was something I learned superficially for a test I had to take.

AnaOne final critique of the country, which only happens in Porto and Lisbon, and how talking about tourism is never just about tourism, but politics.

António That’s about centralism. 70% of the population lives on the coast, and the investment in the rest is very low, which is a stupidity on the part of all the governments we’ve had.