"É tudo uma coisa só – a vida e o teatro, ou a vida e o jornalismo são uma coisa só"

Entrevista a Tiago Correia
Por Ana Rita Rodrigues

21.11.2024

Contexto

Esbater uma fronteira para escrever sobre ‘novas realidades’ – esta é a premissa ‘Writing On New Realities’, um projecto dramatúrgico de colaboração internacional entre A Turma (Porto) e a Galata Perform (Istambul), que se desenvolve ao longo de dois anos através de laboratórios de criação e residências artísticas em ambos os países. Iniciado com a primeira residência artística em outubro de 2023, o projecto desafiou os dramaturgos António Afonso Parra e Tiago Correia (A Turma) e Ferdi Çetin e Yeşim Özsoy (Galata Perform) a escrever uma peça partindo da premissa "novas realidades que vivemos hoje" e da procura de um teatro que esteja além do conceito de fronteira. Foi assim que nasceram Fumo, de Tiago Correia, A Experiência, de António Afonso Parra, Delirium Aksak, de Yeşim Özsoy, e Adormeci em Frente à Televisão a Pensar na Origem da Propriedade Privada, Acordei Com a Voz do Meu Pai, de Ferdi Çetin. As peças portuguesas são apresentadas a 23 de Novembro, no âmbito do IO International Theatre Festival, em Istambul, e a 7 de Dezembro será a vez de apresentar as peças turcas em Portugal, sob a forma de leituras encenadas, dirigidas pelos dramaturgos e encenadores portugueses, no âmbito do encontro da União de Teatros da Europa em parceria com o Teatro Nacional São João. Todas as peças têm tradução de Bengi de Sá Matos Paixão.

Ao longo das últimas semanas, conversei com cada um dos dramaturgos sobre a peça desenvolvida para este projecto, o que culminou num conjunto de quatro entrevistas, agora publicadas no Jornal d’ A Turma.

Fumo acontece no dia em que a redação de um projecto de jornalismo de investigação independente se despede daquela que foi a sua primeira casa, Carolina regressa após uma longa ausência. O seu regresso vai confrontá-la com o novo paradigma do jornal e levantar o véu sobre vários e delicados assuntos pendentes. Uma peça sobre liberdade de imprensa e valores fundamentais, no seio de um grupo em que os laços profissionais se confundem com íntimas relações de amor e amizade e em que cada um lida, à sua maneira, com um trauma recente que os atingiu a todos.

Conversei com Tiago Correia, a propósito desta peça – uma conversa que se lê abaixo.

 

Entrevista

Ana – Fumo foca-se num projecto de jornalismo independente que vê o futuro ameaçado. Como é que chegaste até a este tema e qual a sua urgência?

Tiago – Esta ideia nasceu há algum tempo. O Writing On New Realities, no âmbito do qual esta peça foi escrita, é um projecto que começou a ser pensado em 2022, quando a minha peça Turismo – que falava sobre gentrificação e a obsessão turística, foi traduzida e lida através de uma leitura encenada pela companhia Galata Perform, em Istambul (Turquia). Foi nesse momento que fui à Turquia pela primeira vez e que começámos a desenvolver este projecto de nova dramaturgia. Nessa leitura encenada em Istambul, os actores, o público e as pessoas que estavam envolvidas disseram que parecia que a peça [Turismo] tinha sido escrita lá – embora a Turquia não tenha feito parte da pesquisa para a escrita dessa peça, que se passava numa cidade imaginada, no Sul da Europa. De alguma maneira, isso tocou-me e fez com que eu ficasse a perceber um pouco melhor o contexto social e político da Turquia, nomeadamente os Gezi Park Protests, que se iniciaram em Istambul, em 2013 – inicialmente motivados por uma questão ambiental, por causa de um parque que ia ser destruído para aí ser levantado um centro comercial, e que se espalharam por todo o país, e aos quais toda a população se juntou. Até que começou a repressão policial, marcada pela violência e pela prisão de jornalistas, activistas e artistas, que foi tomando uma escala muito grande e assustadora, sobretudo se pensarmos que é um país europeu e que está tão perto.

O projecto integra dois dramaturgos portugueses e dois dramaturgos turcos, para escrever sobre ‘novas realidades’, a partir de uma observação sobre o presente; sobre o mundo contemporâneo, mas não havia a obrigatoriedade de as peças serem sobre o Porto ou Istambul. A liberdade de expressão e a liberdade de imprensa foram logo duas questões que me chamaram particularmente. Somos criadores e vivemos num país livre, onde, supostamente, podemos escrever e falar sobre aquilo que queremos – o que parece acontecer em todas as democracias, mas talvez não seja bem assim; talvez sejamos condicionados de muitas maneiras, mais directa ou indirectamente, e as coisas que nós fazemos sejam influenciadas por esses condicionamentos. Também por isso é que a extrema-direita foi ganhando tanto terreno na Europa, e essa é também uma das minhas grandes preocupações – desde logo porque pode significar o fim da minha actividade. Então, de diferentes maneiras tenho tentado que as minhas peças reflictam sobre isso. O Salto (2023), por exemplo, reflectia sobre um grupo de jovens que, durante a ditadura portuguesa, tentavam fugir do país. Recordava-se um pouco esse nosso passado-recente para perceber de que forma essa fuga está também a acontecer tão perto de nós, noutros países; para nos questionarmos sobre como é que é possível que, nesses países, os governos sejam eleitos de forma aparentemente democrática. Como é que chegamos a isso? A forma como consumimos informação é talvez a grande causa disso, porque absorvemos mais informação do que nunca, mas ela acontece de uma forma também muito mais superficial. Portanto, há também aqui a questão do papel da imprensa, da forma como a informação chega ao público – ela que é dominada por interesses económicos e políticos que filtram a informação. Algo que já vem de antes – Chomsky, por exemplo, falava sobre a forma como, enquanto estamos numa ditadura, o Estado controla as pessoas através da violência e da repressão; e de como, numa democracia, as pessoas passam a ser controladas através da informação.

No caso de Fumo, o meu objectivo não era que fosse uma peça apenas sobre a Turquia, até porque a pesquisa foi muito mais ampla. Queria tentar levar os temas a um extremo e perceber, através de um projecto de jornalismo de investigação independente, orientado por princípios como o da investigação lenta, como é que se questiona a ameaça com a qual esses projectos se confrontam para sobreviver e de que forma é que podem ter de se ajustar para sobreviver – tendo ou não de abdicar de determinados princípios. Queria escrever algo que não fosse indiferente em Istambul e que fosse uma homenagem a todos aqueles que lutam pela liberdade de imprensa e que em nome dela se sacrificam.

 

Ana – Deixas em aberto para onde é que estes jornalistas partiram em investigação, como se este lá fora pudesse ser cá dentro. Escreves que “eles tinham publicado aquela investigação sobre a demolição do bairro mais antigo da cidade”, mas não nomeias a cidade. Este cuidado em não circunscrever territorialmente a ação, em evitar uma fronteira, foi (é?) uma intenção?

Tiago – Mais importante que circunscrever a peça a um país, dizer que fala de um projecto de investigação português, que foi fazer uma investigação num lugar específico do estrangeiro, interessa-me mais perceber os seus conflitos, as suas problemáticas – porque elas podem acontecer noutros lugares onde se assiste à perseguição de jornalistas e até ao seu homicídio.

E há outros países onde a perseguição é feita de outra maneira: através de despedimentos, de assédio laboral, ou até da prisão; lugares onde os jornalistas, sem estarem em direito de defesa, são acusados de propaganda terrorista; lugares onde se criam leis para controlar a imprensa ou onde os governos intervêm directamente nos jornais; se multam grandes grupos de media com taxas, impostos na escala dos milhões que obrigam a cortar suplementos, a reduzir o número de páginas de jornal, o que leva a despedimentos. A própria crise do papel é também um problema. Estas são situações que acontecem de diferentes maneiras em vários países e aquilo que me interessava era trazer tudo isso para esta realidade: tentar que a peça tivesse uma intemporalidade ou uma universalidade que pudesse ser falada em diferentes países, em diferentes companhias.

 

“Por muito que eu queira que isto seja entendido de uma forma profunda pelo público turco e pelos artistas turcos que fizerem esta peça, espero que ela seja mais ampla e que fale sobre todos os países que estão com governos autoritários e que veem a sua liberdade reprimida.”

 

Ana – Entre 2017 e 2021, mais de 200 jornalistas turcos foram presos na Turquia. Em 2013, a Repórteres Sem Fronteiras, uma Organização Não Governamental (ONG) focada na proteção do direito à liberdade de imprensa, situava a Turquia no lugar 149 entre 180 países no que toca ao condicionamento da liberdade de informação. Em 2015, o Bianet – o único jornal independente e de oposição ao regime turco, registava um aumento de intimidações e perseguições feitas a jornalistas. Aliás, a 3 de Setembro, saiu uma notícia a dar conta das ameaças de morte que o jornalista de investigação Murat Arigel estava a ser alvo – e que começaram no ano passado, em Novembro de 2023.

Sendo esta peça em breve encenada por criadores turcos, para os quais esta realidade é mais tangível, e apesar de deixares em aberto a circunscrição geográfica onde estes jornalistas vão em investigação, houve, de alguma maneira, esta preocupação em criar um elo concreto com a situação que se vive na Turquia? Se sim, que desafios sentiste durante a escrita da peça, nesse equilíbrio entre mantê-la geograficamente aberta e ter essa preocupação turca por trás?

Tiago – Fui muito influenciado pela realidade turca. No fundo foi como se eu tentasse escrever uma peça que eles não poderiam escrever. Mas não quero que aquela companhia tenha problemas nem que a peça seja proibida. Acho que o facto de ser um criador português me dá a liberdade de poder escrever esta peça. Em Portugal, a questão da liberdade de imprensa parece algo muito distante. Acho que não temos noção de como a ameaça à liberdade de imprensa é real noutros países. Ao mesmo tempo, sou um criador português e vou encenar esta peça, portanto queria que ela fosse, em primeiro lugar, sentida também pelo público português. Que fizesse sentido cá. Então, descobri este dispositivo baseado num grupo de jornalistas portugueses que fazem uma investigação num outro país estrangeiro, e para isso inspiro-me muito sobre a realidade turca, levada a um limite. Para nós é uma coisa distante, mas para eles é tocar numa ferida. Fi-lo com essa consciência, na esperança de que seja uma homenagem e uma oportunidade para reflectir sobre este assunto. Por muito que eu queira que isto seja entendido de uma forma profunda pelo público turco e pelos artistas turcos que fizerem esta peça, espero que ela seja mais ampla e que fale sobre todos os países que estão com governos autoritários e que veem a sua liberdade reprimida.

 

“Esta é a questão principal da peça: como é que cada membro do projecto lida individualmente com esse trauma colectivo e de que forma é que os interesses individuais se sobrepõem aos interesses comuns. O primeiro passo foi tentar perceber a realidade portuguesa e o que é isto de sermos contrapoder numa democracia ou num país em que parece que somos um pouco mais livres por não vivemos uma perseguição ao nível da que vivemos num passado que não é assim tão distante).

 

Ana – Sobre a pesquisa para Fumo: apesar de não haver referência a casos específicos ou a lugares em particular, que elementos do real – factos, histórias ou acontecimentos com os quais tomaste conhecimento te influenciaram na escrita da peça?

Tiago – Além da questão da liberdade de imprensa, a peça centra-se no seio de um pequeno projecto jornalístico que, na sua essência, é parecido com uma pequena companhia independente: esta luta por espaços de trabalho e por financiamentos para podermos fazer um trabalho autónomo foi para mim uma forma de espelhar nesse projecto jornalístico independente coisas que também eu vivi na minha companhia, na direção d’ A Turma: as aventuras por que passámos, desde a mudança de espaços à procura de financiamentos; de que forma é que nos conseguimos manter independentes e o que é isso de nos mantermos independentes, sendo que precisávamos de financiamentos; de que maneira é que fomos crescendo ao longo dos anos, numa linha fiel aos nossos princípios. Além disso, estes são projectos em que as pessoas, principalmente as fundadoras, trabalham e estão juntas há muitos anos, têm relações de amizade, por vezes romances, e é tudo uma coisa só – a vida e o teatro, ou a vida e o jornalismo são uma coisa só. Nesse sentido, há um espelho entre os artistas e os jornalistas, e há uma ameaça que surgiu também da conversa com jornalistas: nesta vida precária e nesta ausência de rotina, como é que é possível constituir uma família? Parece que estamos condenados a não poder ter uma família; como se fosse estranho fazê-lo ou, ao fazê-lo, estivéssemos a dizer: “vou deixar de ser jornalista de investigação independente” ou “vou deixar de escrever peças de teatro e arranjar um trabalho mais tranquilo e estável”. Numa realidade onde os trabalhos são cada vez mais precários e as pessoas são cada vez mais bem formadas, mas acabam por não fazer aquilo que querem, são dúvidas que nos tocam cada vez mais. Por isso, queria que as questões íntimas e esta forma pessoal de estar no trabalho estivessem presentes na peça. Inspirei-me em projectos portugueses, turcos e de outros países.

O primeiro passo foi tentar perceber a realidade portuguesa e o que é isto de sermos contrapoder numa democracia ou num país em que parece que somos um pouco mais livres por não vivemos uma perseguição ao nível da que vivemos num passado que não é assim tão distante).

O Fumaça, que é um órgão de investigação independente, dissidente, transparente e contrapoder, deixou-me passar um dia na redação, onde assisti a uma reunião geral e editorial. Foi muito interessante perceber a forma horizontal através da qual tudo é feito e decidido e pensar de que forma é que isso é aplicado na companhia: lá, cada jornalista escolhe o tema das suas investigações, e aqui cada criador escolhe qual é o projecto que quer desenvolver. Essa horizontalidade é uma espécie de utopia que eles concretizam; uma premissa da qual eles parecem não querer abdicar.

Além do Fumaça, há o projeto Setenta e Quatro que fechou recentemente – como é possível que um projecto assim, de escrutínio aos poderes, de trabalho de fundo, tenha terminado? De que forma é que estes projectos – mesmo em Portugal, estão ameaçados, e por que é que estão ameaçados? O que é que aconteceu a esses jornalistas do Setenta e Quatro?

Nesta peça tentei projectar uma espécie de pesadelo que pudesse acontecer a um projecto assim e que está assente num trauma que é vivido por esse projeto de jornalistas que morrem durante uma investigação: como é que cada um lida com esse trauma e de que forma é que o projecto prevalece depois disso – como é que eles continuar a vislumbrar esse risco ou reformulam alguns princípios com os quais têm trabalhado ao longo de tantos anos. Esta é a questão principal da peça: como é que cada membro do projecto lida individualmente com esse trauma colectivo e de que forma é que os interesses individuais se sobrepõem aos interesses comuns.

 

Ana – Uma das variáveis que vem condicionando o jornalismo – e que é talvez o maior sintoma das pressões financeiras e editoriais que vêm aprisionando a maioria das redações, é o tempo. Pegando nessa ponte que estabeleces entre o Fumaça e A Turma, em particular com a escrita de Fumo, onde há uma parte em que falas sobre a importância do tempo, queria que reflectisses sobre esta condição. 

Tiago – Uma das grandes conquistas do Fumaça é o facto de terem conseguido uma autonomia a um ponto que os permitiu ter projectos de investigação que estão a desenvolver há seis anos – uma coisa impensável para a escrita de uma peça, mas que não devia ser. Eu posso imaginar o que seria poder estar seis anos só a desenvolver uma peça. Talvez seja tempo a mais, mas normalmente aquilo que acontece na criação artística em Portugal é que as companhias e os artistas fazem peças num mês / num mês e meio – às vezes partem de textos que já estão escritos, dessa base, mas muitas vezes fazem peças originais, de criação colectiva ou através de novas dramaturgias. Esta também foi a minha realidade durante muitos anos: não havia meios para prolongar muito a criação no tempo; eram pesquisas de duas semanas, às quais se seguiam três semanas a escrever a peça intensivamente e por fim mais três semanas ou um mês para concretizar um espectáculo. Essa é uma coisa que ameaça o nosso trabalho, porque para acontecer é um milagre e é um milagre que pode acontecer várias vezes, mas também pode acontecer que não seja possível e que se falhe redondamente. Por outro lado, o público não tem nada a ver com isto – o público vai ver um espectáculo e não vai querer saber se o artista esteve duas semanas a escrever a peça ou se passou um ano a estudar sobre um tema. Então, quando as companhias começam a ser financiadas, há também a pressão de terem de fazer muito com pouco. Pode-se cair neste jugo de os resultados terem de ser apresentados. Os espectáculos têm de acontecer. Acabamos por estar a trabalhar contra nós próprios.

 

“Podem tirar-nos tudo, mas não nos podem tirar o tempo, que é fundamental para nos descobrirmos e para descobrirmos aquilo que queremos dizer.”

 

Ana – Parece que para que sejamos visíveis temos de mostrar trabalho, quando na verdade um espectáculo – a concretização última, material, advém de um moroso trabalho invisível, silencioso, escondido. 

Tiago – Até porque é necessária uma reciclagem: quando escrevemos uma peça ou fazemos uma criação teatral, vivemos intensamente nesse universo, sonhamos com ele, estamos completamente absorvidos por ele. Quando acaba uma criação teatral ou a escrita de uma peça, há um quase-esgotamento; é como se estivéssemos secos, e é necessário viver, reciclar aquilo que temos cá dentro para voltarmos a conseguir entrar noutro universo – ter essa coragem, essa força, essa energia, e descobrirmos o que temos para dizer. Essa tem sido uma preocupação minha n’ a Turma, nos últimos anos – muito porque a companhia se tem dedicado à nova dramaturgia, de que somos autores (os nossos espectáculos partem de textos originais). Quando tínhamos de escrever uma peça e encená-la no mesmo ano, a pressão era asfixiante. Então, apesar de todos os anos haver novas encenações, já há alguns anos que dividimos as criações ao longo de um biénio, permitindo que tenhamos um ano de residência artística e escrita da peça, altura em que reunimos com criativos e começamos a pensar o que é que o projecto vai ser, o que é que o texto vai ser, como é que o espectáculo se vai concretizar; e um segundo ano no qual partimos para a criação teatral pura e dura, já com o texto escrito – o que permite uma maturação ao longo de um ano, tempo de reflectir sobre o projecto, para fazer pesquisa, etc. Esta repartição foi uma grande conquista e tem sido fundamental. Vou estrear uma peça no próximo ano e também terei um projecto de desenvolvimento de pesquisa e de residência para uma peça que irei escrever no ano seguinte. Isto sempre baseado nisso que estás a dizer – podem tirar-nos tudo, mas não nos podem tirar o tempo, que é fundamental para nos descobrirmos e para descobrirmos aquilo que queremos dizer.

 

Ana – Falávamos há pouco sobre maneiras possíveis de contrapoder dentro de uma democracia. Apesar da democracia em que dizemos viver, há pressões que a constrangem – como o ritmo desenfreado que nos obriga a mostrar provas de trabalho e a contribuir para o mito da produtividade. Exigir tempo para o trabalho invisível é talvez uma maneira de resistirmos; de contrapoder?

Tiago – Numa das primeiras entrevistas que o Fumaça faz, ao Daniel Oliveira, ele refere que contrapoder, em democracia, não existe. Que podemos manifestar-nos nas ruas, mas as ruas têm uma lei. E que essa lei é gerida pelo poder. Esta é uma ideia muito polémica, mas que eu acho muito interessante. Quando perguntei ao Fumaça o que é que eles achavam sobre isto, o que é isto de fazer um trabalho contrapoder em democracia, o que eles disseram foi: “o que não achamos é que estejamos numa democracia.”

 

Ana – Há um momento na peça em que escreves que ‘o jornalismo só é verdadeiramente contrapoder se vivermos num regime autoritário.” E que há uma espécie de sensação de que “o nosso trabalho aqui nunca teria o mesmo impacto.” Apesar disso, falávamos de início sobre as pressões que nos constrangem até numa vida aparentemente democrática e que nos forçam a agir nesse ‘contrapoder’. 

Tiago – Apesar de diferentes maneiras, querer transformar a sociedade, fazer a diferença ou tornar o mundo num lugar melhor são preocupações tanto de jornalistas como de artistas. Muitas vezes sentimos que as coisas que fazemos não mudam nada; que não têm impacto nenhum. Respondo sempre a essa questão através da minha própria experiência enquanto público, principalmente de teatro, com base na forma como o teatro me mudou e de como determinados espectáculos me transformaram. Acredito que não é ao dizermos ao público directamente em que é que ele deve acreditar, ou de que forma é que o mundo deveria ser, que se transforma a sociedade. Sempre que me tentaram fazê-lo, desinteressei-me. Não é através desse autoritarismo que acredito na educação.

Acho que principalmente os jovens artistas, os jovens jornalistas e os que têm uma veia mais revolucionária ou radical, vivem essa urgência, essa ânsia de transformar a sociedade.  Isso é muito apaixonante e bonito; também já passei por isso. Aquilo que tento colocar nesta peça é que apesar de tudo aquilo em que acreditamos temos de gerir muito bem as nossas expectativas para conseguirmos trabalhar com os outros e fazer o nosso caminho. Na peça, há um jornalista que é tão implicado na causa, que quer tanto contribuir para mudança da sociedade, que fica tão impressionado com a forma pela qual os seus colegas estão a ser oprimidos nesta investigação – ao ponto de começar a desenvolver uma investigação precisamente sobre liberdade de imprensa. Ele sente que o trabalho dos jornalistas que ele próprio está a investigar é que é um trabalho válido – não o trabalho que ele está a desenvolver sobre liberdade de imprensa, mas a luta que eles fazem, para o qual colocam as suas vidas em causa; exposta a ameaças e a despedimentos – isso é que é um trabalho verdadeiramente revolucionário. Isto impressiona-o, e ele começa a ‘vestir a camisola’. É daí que vem esta frustração, como se em Portugal ele nunca pudesse levar a um extremo aquilo de que ele é capaz; como se ele tivesse muito mais a dar à causa, a dar à revolução. Isso depois acaba por ter consequências.

 

Ana – Falavas há pouco sobre a relação entre o trabalho e a vida; em como as coisas se confundem ou se relacionam ao ponto de ser quase difícil separá-las, distingui-las. Fumo existe também um conflito amoroso. Porque é que achaste importante contemplar também esta dimensão amorosa, este conflito, esta humanização no enredo?

Tiago – Na verdade, isso acontece na peça, mas é secundário. Há um personagem que tenta descobrir qual é a causa do afastamento de outro colega, mas acaba por não ver o fundamental – esquece-o à medida que acredita que as razões do afastamento são outras que não a principal.

Ele sente uma grande admiração por ela a todos os níveis, mas era um amor impossível. Ele refere que é por ela que está ali, a tentar manter o projecto. Talvez porque ele não seja capaz; talvez porque ele sempre se tenha sentido inferior a ela enquanto jornalista. Este conflito dá uma camada / um constrangimento extra ao conflito, embora seja um falso conflito. Porque a questão não é essa. Porque num processo de luto como aquele em que eles estão, isso transformou-se numa impossibilidade. É uma relação de mais de 10 anos em conjunto, é normal que se passem por coisas que tenham mais ou menos importância, e a vida continua.

 

Ana – A peça termina de uma maneira que remete para uma certa ideia de destino, de algo fechado, inelutável. Como se não pudesse ser de uma outra maneira. Como se estivéssemos dependentes de um rumo traçado e a nossa vontade não fosse suficiente para inverter a ordem das coisas. Foi algo que quiseste transmitir?

Tiago – A peça fala de um projecto que, depois de passar por um trauma, teve de se reformular. E que, de repente, teve um ‘boom’ e um mediatismo nacional e internacional enorme, muito por conta desse acontecimento traumático. Aí, eles tiveram de decidir entre aproveitar ou não aproveitar esse mediatismo; pensar sobre que é que poderiam fazer nesse momento ao projecto; de que forma é que teriam de se adaptar e garantir a sobrevivência – a deles e a do projecto, e em que condições é que queriam trabalhar – condições de trabalho que fossem dignas. O que é que nós queremos agora? Queremos correr mais riscos ou sustentar melhor este projecto e garantir melhores resultados, com mais pessoas a trabalhar, mais jornalistas (até porque perderam colegas), tiveram de contratar novas pessoas – pessoas que não são como eles, como os fundadores; não vestiram a camisola da mesma maneira; são pessoas que vêm refrescar o projecto, mas não têm as mesmas motivações que os outros, pelo que o projecto vai mudar. O que acontece é que o projecto cresce muito, e de repente tem a oportunidade de sair daquele buraco onde estavam; daquela cave clandestina onde eles trabalharam durante muitos anos e ir para o centro da cidade, para um espaço novo e impecável, com grandes condições, onde cada um agora já pode ter uma secretária para trabalhar. No último dia do espaço antigo, quando estão a fazer as mudanças, aparece a Carolina, que já não está lá há muito tempo, para vir buscar as suas coisas e para se despedir daquele espaço. A vinda da Carolina vai abanar aquilo tudo. Vai pôr em causa esse caminho que o projecto tomou. Ela podia trazer uma mudança, mas tudo fica ainda mais trágico quando se percebe que a vinda dela não muda o destino do jornal. Esta é uma questão deixada a nós próprios – o que faríamos nós? O Setenta e Quatro acabou. Se calhar, se se tivesse reformulado teria continuado – mas será que ia continuar a ser o mesmo projecto? Eu perguntava ao Fumaça: “se um dia um grande jornal vos quisesse integrar como equipa de investigação própria, com a sua independência, mas como parte de um jornal maior, vocês aceitavam?” e eles responderam: “não. Se um dia chegássemos a isso, acabávamos.” As pessoas envelhecem e, ao fim de 10 ou 20 anos, aquilo é a vida delas, e acabar não é assim tão fácil. Felizmente, há ainda pessoas fiéis aos seus princípios e dispostas a arriscar.

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Context

Breaking down a border to write about ‘new realities’ – this is the premise of Writing On New Realities, a dramaturgical project of international collaboration between A Turma (Porto) and GalataPerform (Istanbul). Developed over two years through creative laboratories and artistic residencies in both countries, the project began with its first artistic residency in October 2023. It challenged playwrights António Afonso Parra and Tiago Correia (A Turma) and Ferdi Çetin and Yeşim Özsoy (GalataPerform) to write a play inspired by the premise of “the new realities we live in today” and the search for a theatre that transcends the concept of borders.

This gave rise to Fumo by Tiago Correia, A Experiência by António Afonso Parra, Delirium Aksak by Yeşim Özsoy, and Adormeci em Frente à Televisão a Pensar na Origem da Propriedade Privada, Acordei Com a Voz do Meu Pai by Ferdi Çetin. The Portuguese plays will be presented on 23rd November as part of the IO International Theatre Festival in Istanbul. On 7th December, it will be the turn of the Turkish plays to be presented in Portugal, in the form of staged readings directed by the Portuguese playwrights and directors, during the European Theatre Union meeting in partnership with the Teatro Nacional São João. All plays have been translated by Bengi de Sá Matos Paixão.

Over the past few weeks, I have spoken to each of the playwrights about the work they developed for this project, culminating in a series of four interviews now published in A Turma’s Jornal.

Fumo takes place on the day when the editorial team of an independent investigative journalism project bids farewell to what was its first home, as Carolina returns after a long absence. Her return will confront her with the new paradigm of the newspaper and uncover various delicate unresolved issues. The play delves into the themes of freedom of the press and fundamental values within a group whose professional ties blur into intimate relationships of love and friendship, as each member grapples in their own way with a recent trauma that has affected them all.

I spoke with Tiago Correia about this play – a conversation you can read below.

 

Interview

Ana – Fumo focuses on an independent journalism project whose future is under threat. How did you arrive at this theme and how urgent is speak about it?

Tiago – This idea was born some time ago. Writing On New Realities, under which this play was written, is a project that began to be thought about in 2022, when my play Turismo – which was about gentrification and the tourist obsession, was translated and read through a staged reading by the Galata Perform company, in Istanbul (Turkey). It was then that I went to Turkey for the first time and we started developing this new dramaturgy project. At that staged reading in Istanbul, the actors, the audience and the people involved said that it felt like the play [Turismo] had been written there – even though Turkey wasn't part of the research for the play, which was set in an imagined city in southern Europe. Somehow, that touched me and made me understand the social and political context of Turkey a little better, namely the Gezi Park Protests, which began in Istanbul in 2013 – initially motivated by an environmental issue, because of a park that was going to be destroyed to build a shopping centre, and which spread throughout the country, with the entire population joining in. Until police repression began, marked by violence and the arrest of journalists, activists and artists, which took on a very large and frightening scale, especially when you consider that it's a European country and that it's so close.

The project brings together two Portuguese playwrights and two Turkish playwrights, to write about 'new realities', based on an observation about the present; about the contemporary world, but there was no obligation for the plays to be about Porto or Istanbul. Freedom of expression and freedom of the press were immediately two issues that particularly appealed to me. We are creators and we live in a free country, where we are supposed to be able to write and talk about what we want - which seems to be the case in all democracies, but maybe it's not like that; maybe we are conditioned in many ways, more directly or indirectly, and the things we do are influenced by these conditionings. This is also why the extreme right has gained so much ground in Europe, and this is also one of my great concerns - not least because it could mean the end of my activity. So, in different ways, without there being a manifesto, I've been trying to make my plays reflect on this. O Salto (2023), for example, reflected on a group of young people who, during the Portuguese dictatorship, were trying to flee the country. We looked back on our past to realise how that flight is also happening so close to us, in other countries; to ask ourselves how it is possible for governments in those countries to be elected in an apparently democratic way. How did we get there? The way we consume information is perhaps the biggest cause of this, because we absorb more information than ever before, but it also happens in a much more superficial way. So there's also the question of the role of the press, the way it expresses information to the public - it's dominated by economic and political interests that filter information. This goes back a long way – Chomsky, for example, talked about how, while we're in a dictatorship, the state controls people through violence and repression; and how, in a democracy, people are controlled through information.

In the case of Fumo, my aim was not for it to be a piece just about Turkey, not least because the research was much broader. I wanted to try to take the themes to an extreme and understand, through an independent investigative journalism project, guided by principles such as slow investigation, how the threat that these projects face in order to survive is questioned and how they may have to adjust in order to survive - whether or not they have to give up certain principles. I wanted to write something that would not be indifferent in Istanbul and that would be a tribute to all those who fight for press freedom and sacrifice themselves in the name of it.

 

Ana –   You don’t specify where these journalists went to investigate, as if this outside could be inside. You write that "they had published that investigation into the demolition of the city's oldest neighbourhood", but you don't name the city. Was (is?) this care taken not to territorially circumscribe the action, to avoid a border, an intention?

Tiago – More important than circumscribing the play to a country, saying that it's about a Portuguese research project that went to do research in a specific place abroad, I'm more interested in understanding its conflicts, its problems - because they can happen in other places where journalists are persecuted and even murdered.

And there are other countries where persecution is carried out in other ways: through dismissals, harassment at work or even imprisonment; places where journalists, without having the right to defend themselves, are accused of terrorist propaganda; places where laws are created to control the press or where governments intervene directly in newspapers; large media groups are fined with fees, taxes in the millions that force them to cut supplements, reduce the number of newspaper pages, which leads to dismissals. The paper crisis itself is also a problem. These are situations that happen in different ways in different countries and what I was interested in was bringing all of that to this reality: trying to make the play timeless or universal so that it could be talked about in different countries, in different companies.

 

Ana – Between 2017 and 2021, more than 200 Turkish journalists were arrested in Turkey. In 2013, Reporters Without Borders, a non-governmental organisation (NGO) focused on protecting the right to freedom of the press, placed Turkey at 149th out of 180 countries when it came to limiting freedom of information. In 2015, Bianet the only independent newspaper opposed to the Turkish regime reported an increase in intimidation and harassment of journalists. In fact, a few weeks ago, on the 3rd of September, a report came out about the death threats against investigative journalist Murat Arigel which began last year, in November 2023.

This play will soon be staged by Turkish creators, to whom this reality is more tangible, and despite leaving open the geographical circumscription where these journalists go on investigation. Was there in any way a concern to create a concrete connection with the situation in Turkey? If so, what challenges did you feel during the writing of the play, in that balance between keeping it geographically open and having that Turkish concern behind it?

Tiago – I was very influenced by the Turkish reality. It was like I was trying to write a play that they couldn't write. But I don't want to bring any problems to the company or to see this play being banned. I think the fact that I'm a Portuguese creator gives me the freedom to write this play. In Portugal, the issue of freedom of the press seems very distant. I don't think we realize how real the threat to press freedom is in other countries. At the same time, I'm a Portuguese creator and I'm going to stage this play, so I wanted it to be felt by the Portuguese public first and foremost; to have a meaning here. So, I came up with this plot based on a group of Portuguese journalists doing an investigation in another foreign country, and for that I had a lot of inspiration from the Turkish reality, taken to the limit. For us it's a distant thing, but for them it feels like touching a wound. I did it with this awareness, hoping that it will be a tribute and an opportunity to reflect on this subject. As much as I want this to be understood in a profound way by the Turkish public and by the Turkish artists who make this play, I hope it goes beyond borders and talk about all the countries that have authoritarian governments and see their freedom being repressed.

 

"This is the main question of the play: how does each individual member of the project deal with this collective trauma and how do individual interests overcome common interests. (...) The first step was to try to understand the Portuguese reality and what it's like to be a counter-power in a democracy or in a country where we seem to be a little freer because we don't experience persecution to the extent that we did in the not-so-distant past."

 

Ana – Regarding the research for Fumo: although there is no reference to specific cases or places, what elements of reality - facts, stories or events that you learnt about – had an influence on the writing of the play?

Tiago – In addition to the issue of press freedom, the play is centred on a small journalistic project which, in essence, is similar to a small independent company: this struggle for work spaces and for funding so that we can do our work independently was a way for me to mirror in this independent journalistic project things that I also experienced in my company, in the direction of A Turma: the adventures we've been through, from changing spaces to seeking for funding; how we've managed to remain independent and what it means to remain independent when we need funding; how we've grown over the years, aligned with our principles. Furthermore, these are projects made of people, especially the founders, who have worked and been together for many years; who have friendly relationships, sometimes romances, and it's all one thing - life and theatre, or life and journalism are just one thing. In this sense, there is a mirror between artists and journalists, and there is a threat that also emerged from talking to journalists: in this precarious life and in this lack of routine, how is it possible to start a family? It seems as if we're condemned to not being able to have a family; as if it's strange to do so or, by doing so, we're saying: "I'm going to stop being an independent investigative journalist" or "I'm going to stop writing theatre plays and find a more peaceful and stable job". In a reality where jobs are increasingly precarious and people are increasingly well-educated but end up not doing what they want, these are doubts that touch us more and more. That's why I wanted to create intimate issues and to add this personal way of being at work. I was inspired by projects in Portugal, Turkey and other countries.

The first step was to try to understand the Portuguese reality and what it's like to be a counter-power in a democracy or in a country where we seem to be a little freer because we don't experience persecution to the extent that we did in the not-so-distant past.

Fumaça, which is an independent, dissident, transparent and counter-power investigative organ, let me spend a day in the newsroom, where I attended a general and editorial meeting. It was very interesting to realise the horizontal way in which everything is done and decided and to think about how this is applied in the company: there, each journalist chooses the subject of their investigations, and here each creator chooses which project they want to develop. This horizontality is a kind of utopia that they transform in reality; a premise that they don't seem to want to give up.

Beyond Fumaça, we also had Setenta e Quatro, a project which has recently ended –  how is it possible that a project like this, which scrutinizes the powers, working on the ground, has ended? How are these projects –  even in Portugal –  under threat, and why are they under threat? What happened to those journalists from Setenta e Quatro?

In this play I've tried to create a kind of nightmare that could happen to a project like this, based on the trauma experienced by this project of journalists who die during an investigation: how each one deals with this trauma and how the project resists,  afterwards –  how they continue to see this risk or reformulate some of the principles they've been working with for so many years. This is the main question of the play: how does each individual member of the project deal with this collective trauma and how do individual interests overcome common interests.

 

Ana –  One of the factors that have been conditioning Journalism – and which is perhaps the biggest symptom of the financial and editorial pressures that have imprisoned many newsrooms – is time. Having in account the relation you've established between Fumaça and A Turma, particularly with the writing of Fumo, where you talk about the importance of having time, I'd like you to reflect on this factor. 

Tiago – One of Fumaça's great achievements is the fact that they've achieved autonomy to the point where they have investigation projects that they've been developing for six years – something unthinkable when we speak about writing a play, but which shouldn't be. I can only imagine what it would be like to spend six years developing a play. Maybe that's too long, but normally what happens in artistic creation in Portugal is that companies and artists make plays in a month / a month and a half – sometimes they start from texts that are already written, from that base, but often they make original plays, of collective creation or through new dramaturgies. This was also my reality for many years: there was no way to extend the creation over time; it was two weeks of research, followed by three weeks of intensive playwriting and then another three weeks or a month to release a show. This is something that threatens our work, because time is a miracle and it's a miracle that can happen several times, but we can also fail, miserably. On the other hand, the public has nothing to do with it – people go to see a show and they don't want to know whether the artist spent two weeks writing the piece or a year studying a theme. Therefore, when companies start to be funded, there's also the pressure of having to do a lot with very little. You can fall under the yoke of having to present the results. The shows have to happen. You end up working against yourself.

"They can take everything away from us, but they can't take away our time, which is fundamental for discovering ourselves and for discovering what we want to say."

Ana – It seems that, in order to be visible, we have to show work – when in fact a show –  its ultimate and material  result – comes from a very slow, invisible, silent and hidden work.

Tiago This is because we need to recycle: when we write a play or create theatre, we live intensely in that universe, we dream about it, we are completely absorbed by it. When a theatre creation or the writing of a play gets over, there's a feeling of exhaustion; it is as if we're dry, and we need to live, to recycle what we have inside to be able to enter another universe again – to have that courage, that strength, that energy, and to discover what we have to say. This has been a concern of mine at A Turma during the last years – very much because the company has dedicated itself to new dramaturgy, of which we are the authors (our shows are based on original texts). When we had to write a play and stage it in the same year, the pressure was suffocating. So, although there are new productions every year, for some years now we have divided the creations over a two-year period, allowing us to have a year of artistic residency and writing the play, when we meet with creatives and start thinking about what the project is going to be, what the text is going to be, how the show is going to be realized; and a second year in which we set out to create theatre pure and simple, with the text already written. This scheme allows us to put some maturation in it over the course of a year, time to reflect on the project, to do research, etc. This distribution was a great achievement and has been fundamental. I'm going to premiere a play next year and I'll also have a project waiting for a research and a residency. This is always based on what you're saying –  they can take everything away from us, but they can't take away our time, which is fundamental for discovering ourselves and for discovering what we want to say.

 

Ana – We were talking earlier about possible forms of counter-power within a democracy. Despite the democracy we believe to live in, there are pressures that constrain it – like the frenetic pace that forces us to show proof of work and contribute to the myth of productivity. Could we say that demanding time for invisible work is perhaps a way of resisting; of counter-power?

Tiago – In one of Fumaça's first interviews with Daniel Oliveira, he says that there's no such thing as counter-power in a democracy. That we can demonstrate in the streets, but the streets have a law. And that law is managed by power. This is a very controversial idea, but one that I find very interesting. When I asked Fumaça what they thought about this, about doing counter-power work in a democracy, what they said was: "What we don't think is that we're in a democracy."

 

Ana – There’s a moment on the play where you write that “Journalism is only truly counter-power if we live in an authoritarian regime.” And also that there’s a kind of sensation that “here, our work would never have the same impact.” Despite of this, we were speaking in the beginning about the pressures that affect us – even if in a life apparently democratic – and which force us to act for that ‘counter-power’.

Tiago – The will to transform society, make a difference or make the world a better place are concerns of both journalists and artists. I always answer to that question having into account my own experience as a member of the public, specially the theatre public, according to the way theatre has shaped me and how certain shows have transformed me. I believe that it is not by saying directly to the public what they should believe, what way the world should be, that we transform society. Every time they tried to do it to me, I lost my interest. It is not through that authoritarism that I believe in education.

I think that specially the young artists, the young journalists and those who have a more revolutionary or radical vein, life that urgency, that will of transforming the society. That is very passionate and beautiful; I’ve also been there. What I try to put in this piece is that despite of everything we believe, we have to manage our expectations so that we can work with others and follow our path. In this piece, there’s a journalist who is so engaged in the cause, who wants to contribute to the transformation of the society so much, that he becomes impressed with the way his colleagues are being oppressed in this investigation – and that’s why he starts working on an investigation about freedom of the press. He feels that the work of the other journalists and that himself is investigation is the true valid work – not the work he is developing about. That’s the place from where this frustration comes from, as if in Portugal he could never take to an extreme point what he is capable of; as if he had much more to give to the cause; do give to the revolution. In the end, it ends up bringing up the consequences.

 

Ana – You were speaking about the relation between work and life; about how things can be mixed or related to a point in which it is hard to separate them; to distinguish them. In Fumo, there’s also an amorous dimension. Why did you feel it would be important to also include this dimension, this conflict, this humanization in the plot?

Tiago – In fact, it takes place in the play, but it is secondary. There is a character who tries to find out what’s the cause of the departure of another colleague, but he ends up not seeing the fundamental – he forgets about it as he believes the reasons of the departure are others beyond the principal. He feels great admiration for her on all levels, but it was an impossible love. He says that it is for her that he is there, trying to maintain the project. Maybe because he is not capable; perhaps because he has always felt inferior to her as a journalist. This conflict gives an extra layer/embarrassment to the conflict, although it is a false conflict. Because that's not the point. Because in a grieving process like the one they are in, this has become an impossibility. It's a relationship of more than 10 years together, it's normal to go through things that are more or less important, and life goes on.

 

Ana – The play ends up in a way that suggests an idea of a destiny, of something closed, unavoidable. As if it could not be in other way. As if we were depended on a pre-defined path and our will was not enough to change it. Was it something you wanted to express?

Tiago – The play speaks about a project that, after passing through a trauma, had to reformulate.  Out of the sudden, it had a ‘boom’ and a national and international mediatic resonance – mostly because of that traumatic event. At that point, they had to decide between taking advantage of that mediatic resonance or not. To think about what they could do to the project in the moment. In what way, they would have to adapt to guarantee they would survive; to guarantee their surviving and the project. And in what conditions they want to work – work conditions that would be dignifying. What do we want, now? Do we want to take more risks or to sustain this project in a better way, to guarantee better results, with more people working – people who are not as them, as the founders; who didn’t fight for the cause as they did ; people who come to give a new air to the project, but who don’t have the same motivations as the others, which means that the project is going to change. What happens is that the project grows a lot, and suddenly they have the change of leaving the hole where they were; of coming out of the clandestine cave where they worked for many years and go to the city’s center, to an amazing new space, with great conditions, where each one can have its own desk to work. In the last day at the old space, when they are starting to move, Carolina arrives. She hasn’t been there for a long time, and she arrives to pick up her stuff and say goodbye to that space. The arriving of Carolina will shake everything, a lot. It will question the path that the project has taken. She could have brought a change, but everything gets more tragic when we understand that her apparition does not change the destiny of the Journal. The big tragedy of this project is the fact that those journalists have lost their own first values. In a simpler way: they sold themselves. This journalist is left with the question: is she going to go along with this or not? This is a question left to ourselves – what would we do? Setenta e Quatro is over. If it had reformulated, it would have continued, perhaps – but would it remain the same project? I asked Fumaça: “If one day a big journal would tell you they wanted to integrate you as an investigation team, with its own independence, but as part of a bigger journal, would you accept?” and they answered: “No. If one day we would arrive to that point, we would end up.” People get old and, after 10 or 20 years, it becomes their lives, and to close It is not that easy. Fortunately, there are still people loyal to their values and with the will to take the risk.