“Um corpo morto dá à costa. Vamos embora daqui. A polícia virá, tenho a certeza. Não está a acontecer nada.”

Entrevista a Ferdi Çetin
Por Ana Rita Rodrigues

23.12.2024

Contexto

Esbater uma fronteira para escrever sobre ‘novas realidades’ – esta é a premissa “Writing On New Realities”, um projecto dramatúrgico de colaboração internacional entre A Turma (Porto) e a GalataPerform (Istambul). Desenvolvido ao longo de dois anos através de laboratórios de criação e residências artísticas em ambos os países, o projecto iniciou com a primeira residência artística em Outubro de 2023, e desafiou os dramaturgos António Afonso Parra e Tiago Correia (A Turma) e Ferdi Çetin e Yeşim Özsoy (GalataPerform) a escrever uma peça partindo da premissa "novas realidades que vivemos hoje" e da procura de um teatro que esteja além do conceito de fronteira.

 

Foi assim que nasceram Fumo, de Tiago Correia; A Experiência, de António Afonso Parra; Delirium Aksak, de Yeşim Özsoy, e Adormeci em frente à televisão a pensar na origem da propriedade privada, acordei com voz do meu pai, de Ferdi Çetin. As peças portuguesas foram apresentadas a 23 de Novembro, no âmbito do IO International Theatre Festival, em Istambul, e a 7 de Dezembro foi a vez de apresentar as peças turcas em Portugal, sob a forma de leituras encenadas, dirigidas pelos dramaturgos e encenadores portugueses. O evento decorreu no âmbito do encontro da União de Teatros da Europa em parceria com o Teatro Nacional São João. Todas as peças têm tradução de Bengi de Sá Matos Paixão.

Ao longo das últimas semanas, conversei com cada dramaturgo sobre o trabalho que desenvolveram para este projecto, o que cultiminou numa série de quatro entrevistas, agora publicadas no Jornal d’ A Turma.

 

 

Uma floresta que arde. Sinais de fumo que ascendem, verticalmente. Um barco de borracha que afunda. A corrente traz um corpo à praia, no seu último sono. Todos olham o corpo, mas não mais que três segundos, como se a imagem fosse um fogo que queimasse instantaneamente ao primeiro olhar, deixando os olhos numa ferida aberta – e daí que afastem o olhar, como uma mão que se puxa para trás quando sente uma chama e percebe que é fogo, um fogo que queimará a carne, à semelhança de qualquer outro. Eles fogem para a floresta, esquecidos de que o corpo que acabaram de ignorar pertenceu a alguém que também fugira, e por isso correm; seguindo os sinais de fumo, quem sabe se de mãos postas em suplício para que não ardam nem morram também. Um fogo que parece não tem fim; uma água que parece não ter fim – tal como a espera para aqueles que tentam tocar a terra depois de tanto mar; como a hipocrisia daqueles que assistem a partir dessa terra que têm por garantida, à espera de que este seja o último corpo que lhes aparece aos pés, para que não tenham de lidar com isso nunca mais, como quem tenta a todo o custo desenvencilhar-se de um pensamento perturbador. Um homem que outrora fora barqueiro e tentara pela água ajudar outros a escapar. Um professor desapontado com a falta de curiosidade que identifica nos estudantes e no mundo. Estas são algumas imagens que nos ficam de Adormeci em frente à televisão a pensar na origem da propriedade privada, acordei com voz do meu pai; imagens que se instalam em nós e nos abanam, retirando-nos da inércia dos dias ao mesmo tempo que nos põe a reflectir no quão fictícia, fluída e transitória é a noção de fronteira.  Conversei com Ferdi Çetin sobre esta peça – uma conversa que abaixo se pode ler.

 

Ana – Escreve-se, a dada altura: “Quero contar uma história como uma árvore, com raízes que se estendem em inúmeras direções, ramificando-se, crescendo.” Como foi o desafio de aceitar escrever sobre “novas realidades”? De que raízes é feita árvore?

Ferdi – Também sou professor na universidade, onde ensino Dramaturgia. Então, há algum tempo que penso sobre “as novas realidades das nossas vidas”. No ano passado, escrevi outra peça para o Festival Internacional de Teatro que acontece aqui, em Istambul. É uma peça sobre o relacionamento entre uma mãe e uma filha e também lida com o tema das novas realidades (tem uma relação próxima com a pandemia). É por isso que o personagem que representa o artista nesta história fala sobre ‘criar uma história que seja como uma árvore’. Penso numa árvore enquanto uma metáfora porque, outrora, em termos convencionais, a árvore é o símbolo da hierarquia que subjaz ao fazer teatral ou à escrita para teatro: temos texto, director, actores, actrizes, etc. Mas hoje, quando penso em termos de uma árvore e das suas raízes, não há hierarquia – não há hierarquia entre os elementos do teatro, mas horizontalidade; aqui, toda a gente tem a mesma importância no processo criativo. A peça é uma árvore e uma história; uma história real com laços fortes e relações com a história da minha família: a peça anterior estava relacionada com a minha avó, que perdi durante a pandemia; esta segunda é focada no meu avô que, com quase 100 anos, ainda vive. É uma lenda viva; tão antiga quanto a República da Turquia.

 

Ana – Há um momento em que o homem se questiona se deve voltar a dar aulas na universidade. Ele diz que, antes, sentia que inspirava as pessoas, mas agora ninguém se importa. “Para que é que precisamos de conhecimento? A revolução precisa de algo mais, que é encontrado fora da universidade”, diz ele. Esta parte tocou-me porque é preciso falar sobre a cumplicidade entre as universidades e a guerra; entre elas e o poder político. Na Turquia, que espaço ocupa o lugar da reflexão nas universidades e noutros espaços públicos?

Ferdi – Nesta parte, também há uma conexão muito pessoal comigo: sou professor em diferentes universidades, ao mesmo tempo. Tenho a oportunidade de falar frequentemente com a nova geração de hoje, formada por pessoas com cerca de 18/20 anos.  Mas os estudantes de Arte nem sempre têm 18 anos – também há adultos interessados na educação artística, em escrever, etc. No entanto, sinto que a comunicação com eles é difícil, tal como é difícil criar uma conexão com pessoas e estudantes com quem converso na universidade. Além disso, lemos nos livros e ouvimos falar dos professores lendários das eras antigas; sobre como eles têm um relacionamento com as instituições e os alunos. Estudei na Universidade de Istambul durante todo o meu percurso educacional: comecei em 2006 e terminei em 2019. Ao longo de 14 anos, estudei e trabalhei nesta universidade com lendas vivas. A Universidade de Istambul é especial porque as pessoas têm uma posição política muito forte. Durante os tempos revolucionários (anos 60, 70 e 80), tornou-se o símbolo da resistência. A praça em frente à universidade é um símbolo de revolução, de resistência. Então, cresci a ouvir histórias sobre os nossos professores. Quando comecei a dar aulas, pensei que fosse ter um relacionamento parecido com os meus alunos; que iria inspirá-los com ideias e pensamentos, mas não. Hoje em dia, já ninguém está interessado em nada. É uma geração de Wikipedia, Netflix e Chat GPT. As pessoas não se interessam em ser inspiradas. Têm soluções práticas para a vida: “diz-me isto, diz-me aquilo. Dá-me o diploma. Vou simplesmente procurar algo para ganhar dinheiro.” A geração jovem é agora mais pragmática e oportunista no que toca a ‘encontrar maneiras’. É claro que isso é totalmente compreensível, mas, ainda assim – sinto um desapontamento.

 

Ana – “A realidade é como um organismo vivo. Agora mesmo, estamos a falar através deste ecrã, via Zoom. Estou a receber mensagens e chamadas no telemóvel”, escreves. Esta é outra ‘nova realidade’ que contribui para o desapontamento de que falas?

Ferdi – Essa é uma referência directa a Tennessee Williams, porque, nas páginas iniciais da peça The Glass Menagerie, ele escreve sobre a forma através da qual tenta falar sobre a realidade que o envolve. Hoje, vivemos no século XXI e ainda é difícil avaliar as coisas que acontecem ao nosso redor; dar-lhes um significado. Este é o destino da humanidade. Mas acredito que em cada época, em cada período da história, as pessoas sentem a urgência de falar sobre as questões que as afectam; de dar-lhes um significado; de tentar dizer alguma coisa. Então, essa é uma frase vinda dos clássicos modernos, mas hoje precisamos do mesmo desejo.

 

"Tanto no passado como hoje, as pessoas querem deixar o país por diferentes razões. O artista vai para lá para fazer trabalho de campo; para ver o que está a acontecer. Ele vê um corpo morto que dá à costa, mas diz: "vamos embora para aquele lado, não vamos ficar aqui. A polícia virá, tenho a certeza.” Ele pega na rapariga, e pede-lhe: “não, não, não! Não vás lá!” E a rapariga diz: “mas há fumo vindo de lá. A floresta está a arder.” E ele responde: “eu acho que é por causa do vento. Não está a acontecer nada. Vamos.' "

 

Ana – Ainda relacionado com isso, levantas também um binómio entre palavras e acções: “Quero focar na acção, confio cada vez menos nas palavras.” Esta descrença nas palavras é outro desapontamento que sentes?

Ferdi – Não quero usar a palavra hipocrisia, mas ela existe, escondida: no início da peça, o artista vai para a região costeira da Turquia, que fica perto das ilhas gregas. Durante os anos 60 e 70, os revolucionários costumavam sair do centro de Istambul e ir para os lugares costeiros, porque sentiam que não deviam estar à frente do povo. Por isso, eles corriam, escapavam. E por vezes tinham barcos onde levavam os amigos para o outro lado da costa, para escapar do país. É uma zona de fronteira que é demarcada pelo mar. Na peça, durante as férias de Verão, ele vai com a esposa para a zona costeira para falar sobre os tempos revolucionários. Ele quer ver o que é que hoje está a acontecer. E hoje temos o tema da migração – as pessoas estão a entrar em barcos e a tentar deixar o país ilegalmente para ir para as ilhas gregas. Tanto no passado como hoje, as pessoas querem deixar o país por diferentes razões. O artista vai para lá para fazer trabalho de campo; para ver o que está a acontecer. Ele vê um corpo morto que dá à costa, mas diz: "vamos embora para aquele lado, não vamos ficar aqui. A polícia virá, tenho a certeza.” Ele pega na rapariga, e pede-lhe: “não, não, não! Não vás lá!” E a rapariga diz: “mas há fumo vindo de lá. A floresta está a arder.” E ele responde: “eu acho que é por causa do vento. Não está a acontecer nada. Vamos.” É claro que existe hipocrisia aqui. Há a teoria e há a acção, mas por vezes não agimos.  

 

Ana – Como se estivéssemos todos a dormir, dormentes, a comer pipocas e a assistir. Também acrescentas que, “dadas as condições de Istambul, parece cada vez mais difícil continuar.” E que, “naquela época, qualquer um que tivesse um cérebro era de esquerda.” Para alguém que não está familiarizado com a política da Turquia, poderias falar um pouco mais sobre este contexto político? Que tempo foi este?

Ferdi – É muito irónico: há membros da minha família que também frequentaram a escola de professores, a mais antiga da República da Turquia. Mas a maioria não conseguiu terminar a escola por causa da política dos anos 70; das manifestações e das actividades revolucionárias. Eles foram agredidos nas escolas, nas ruas. Como consequência, um dos meus tios foi colocado num internato. Foi enviado para essa escola porque, na anterior, durante as manifestações alguém partira uma lâmpada eléctrica, e as autoridades culparam-no. Ele passou a ser detestado e foi expulso da escola. Ainda hoje sofre de sérios transtornos mentais por causa dessas experiências que viveu na escola e durante as acções políticas. Daí a paranoia com que o meu avô surge na peça. O pai diz: "eles vão atirar contra ti na rua; eles vão-te matar. Tem cuidado, fica longe.” Esta é a frase que todos os membros da minha família ainda dizem uns aos outros. Eu fui para a Universidade de Istambul e a minha mãe também costumava interessar-se e estar envolvida na política, durante os tempos de universidade. No texto, quando o pai diz que “naquela época, qualquer um que tivesse um cérebro era de esquerda”, está a reconhecer que quem pensa correctamente é esquerdista, revolucionário. Ele sabe bem o que é sê-lo e reconhece que é necessário, mas é uma situação complexa: apesar de reconhecê-lo, não quer que os filhos façam parte do sistema; quer que sejam cuidadosos.

 

Ana – Ainda nessa discussão sobre voltar ou não para a universidade, a mulher diz ao homem que “os professores diziam sempre isso, tens uma capacidade de observação impressionante”. E pergunta, depois: “isso é mesmo uma coisa tua? Ou é algo que imitaste?” Sentes que estamos a ficar homogeneizados? Temes que estejamos a perder autenticidade?

Ferdi – Como artistas, temos a capacidade de falar influentemente, o que é uma ferramenta que está ao teu dispor diante de toda a gente, e que por vezes pode ser usada de forma manipuladora. Enquanto artista e professor, tento entender – leio, discuto, falo com pessoas e tento desenvolver-me intelectualmente, e faço-o porque quero escrever, criar. A criação é o maior problema para um artista, mas, para um professor, em vez disso, o desafio é teres pessoas com as quais tens de partilhar conhecimento para que elas se desenvolvam. Quando lecciono ao longo de um dia inteiro, sinto-me vazio. Dei tudo o que tinha às pessoas e sinto-me uma espécie de espantalho; uma pessoa sem alma. O que farei agora? Sou um escritor, pelo que deveria escrever alguma coisa. Será que sou mesmo um escritor? É um dilema, porque tenho de trabalhar e ensinar por dinheiro, para viver, mas também quero criar.

 

Ana – “É difícil estar sempre a inovar. / E só há uma coisa que querem de nós. (…) Eles só querem ter pena de nós, a única coisa que querem ouvir são histórias contadas com lágrimas”, diz o homem. De onde vêm essas pressões que nos forçam a estar em constante criação e com ‘novas ideias’, quase como se tivéssemos de ser Relações Públicas de nós mesmos; da nossa própria existência; do mundo?

Ferdi – Na Turquia, tentamos sempre escrever novas peças e lidar com novas formas e novos estilos de teatro, especialmente porque temos trabalhado neste projecto de nova dramaturgia, focado em novos textos, ao longo de muitos anos. Tenho vindo a trabalhar neste projecto e a lidar com todos estes países através de intercâmbios: convidamos pessoas de todas as geografias para vir cá, mas, quando se trata de enviar pessoas da Turquia para outro país (europeu ou não), é sempre problemático. Acho que ninguém precisa das nossas histórias, ou por vezes precisam das nossas histórias de uma certa maneira – apenas as histórias que são contadas em lágrimas, de uma forma agitada.

 

Ana – Há uma indicação cénica na qual se lê: “depois do jantar, em frente a um hotel de luxo que podia estar em qualquer parte do mundo.” Podes falar sobre este pensamento?

Ferdi – Gosto muito de brincar com outros dramaturgos. Esta é uma referência directa a Sarah Kane. Nas primeiras linhas da sua primeira peça, Blasted (uma peça focada principalmente num idoso e numa jovem, mais ou menos como na minha peça), ela diz: "num quarto de hotel em Liverpool, tão luxuoso quanto qualquer outro que pode ser encontrado em qualquer lugar do mundo.” Estamos a viver neste mundo capitalista e numa ‘aldeia global’ onde esses hotéis ocupam um espaço universal. Temos hotéis Wyndham por toda a Europa – quando vamos à Noruega, temos Wyndham; quando vamos a Espanha, temos Wyndham. Não é algo local. Todas as capitais europeias são mais ou menos a mesma coisa. Estão a reconstruir as cidades em toda a parte.

 

Ana – O que queres dizer quando escreves que sempre tentaste “contar a história de uma classe social à qual não pertencias”?

Ferdi – Esses personagens, o pai e o escritor, têm algo de mim e da minha história pessoal e familiar. O monólogo acaba por ser a minha história. É como se eu estivesse a contar um segredo ao público. A história passa-se em Nişantaşı, que é um espaço simbolicamente associado a artistas, intelectuais e burgueses; onde eles costumam viver. Hoje, vivo em Nişantaşı, na rua da fronteira. Então, esta acaba por ser uma piada que eu faço sobre mim mesmo: chamo-me petit bourgeois (pequeno burguês), porque, no fundo, estou a tentar contar histórias em Nişantaşı, sentado na minha secretária. Posso parecer um burguês, mas não sou (sobretudo se tivermos em conta que, por exemplo o meu avô, ainda vive na aldeia).

 

Ana – Quase no final da peça, há a imagem de um cão e um rapaz que serve à mesa no café. Como é que esta imagem surgiu e o que querias questionar através dela?

Ferdi – Antes de escrever um texto, começo com um evento ou imagem única que se posiciona diante dos meus olhos. Soube desde o início que esta peça contaria a história de um pai e um filho que estaria a tentar construir uma carreira como artista, e a imagem inicial foi aquela, no café em Nishan. Eu estava sentado com os meus dois cães, como se a parecer um membro dessa classe burguesa, e o meu cão simplesmente vai e morde a perna do empregado de mesa. Isto foi uma chapada na cara; o momento em que vi o espaço que existe entre quem eu quero ser e quem eu sou ‘realmente’. Há um choque, uma fronteira vazia entre essas duas dimensões. Um confronto com a realidade. Tenho estado a escrever esta peça com os dentes do cão parados na minha secretária. Ainda olho para os dentes, que guardo enquanto símbolo.

Context

To destroy a border in order to write about ‘new realities’ – this is the premise of “Writing on New Realities”, a dramaturgical project of international collaboration between A Turma (Porto) and GalataPerform (Istanbul). Developed over two years through creative workshops and artistic residencies in both countries, the project began with a first artistic residency in October 2023. It challenged playwrights António Afonso Parra and Tiago Correia (A Turma) and Ferdi Çetin and Yeşim Özsoy (GalataPerform) to write a play inspired by the premise of “the new realities we live in today” and the search for a theatre that transcends the concept of border.

 

From this project were born Fumo by Tiago Correia; A Experiência, by António Afonso Parra; Delirium Aksak, by Yeşim Özsoy; and Adormeci em frente à televisão a pensar na origem da propriedade privada, acordei com voz do meu pai, by Ferdi Çetin. The Portuguese plays were presented on the 23rd November as part of the IO International Theatre Festival in Istanbul, and the Turkish plays were presented in Porto on the 7th December, in the form of staged readings, directed by the Portuguese playwrights and directors. This event happened during the European Theatre Union meeting, in partnership with Teatro Nacional São João. All plays have been translated by Bengi de Sá Matos Paixão.

Over the past few weeks, I have spoken to each of the playwrights about the work they developed for this project, culminating in a series of four interviews now published in A Turma’s Jornal.

 

A forest burning. Smoke signals vertically ascending. A boat made of rubber, sinking. The current brings a body to the beach, in its last sleep. Everyone is looking to the body, but not for more than three seconds, as  if the image were a fire that would burn them instantly at the first glance, putting their eyes in an open wound – and that's why they look away, like a hand that feels a flame and pulls it back when it realizes from the extra heat that this fire will burn the flesh like any other fire. They flee into the forest, forgetting that the body they just ignored belonged to someone who also fled; and so, they run; following the smoke signals, perhaps praying to not burn, to not die. A fire that seems to have no end; a water that seems to have no end – like the wait for those who try to step on land after so much sea; like the hypocrisy of those who assist from that land which they have as a guarantee, waiting for this to be the last body that appears to their foot, so that they don't have to deal with it anymore. A man who was once a boat driver who helped other man escape by water. A professor who is disappointed with the lack of curiosity that he identifies on his students, on the world.

These are some of the images from I fell asleep in front of the television thinking about the origin of private property, I woke up to my father's voice (Adormeci em frente à televisão a pensar na origem da propriedade privada, acordei com a voz do meu pai); images that settle inside us and take us out of the inertia of our days and stir us up, to make us reflect on how fictious, fluid, transitory the notion of border is. I spoke with Ferdi Çetin about this play – a conversation you can read below.

 

Ana – It is written in the play that you “want to tell a story as a tree, with roots which grow in multiple directions, branching out, growing.” How was it to you to accept this challenge of writing about “new realities”? What are the roots of this tree?

Ferdi – I’m a professor at university, where I teach playwriting. So, I have been thinking about the “new realities in our lives” for a long time. Last year I wrote another play for the Istanbul International Theatre Festival here, in Turkey. It is a play about a mother and a daughter relationship and it also deals with the new realities in our lives (it has a close relationship with the pandemic). In that there is also the issue of a writer living in Istanbul, trying to survive and to understand what was happening around him. These two texts are two semi-autobiographical plays, with aspects in terms of dealing with the things around him as a character (even if with a few fictional parts). That's why the figure (the portrait of the artist in the story) is talking about ‘creating a story which is like a tree’. I think about a tree as a metaphor because previously, in conventional senses, it is a symbol for the hierarchical situation of doing theatre or writing for theatre: you have text, a director, actors, actresses, etc. But today, when I think in terms of a tree with its roots, there is no hierarchy – there is no hierarchy between the elements of theatre, between the figures in the theatre. So, it's like trying to think not vertically / hierarchical, but horizontally – where everybody and everything has the same importance in the creation process. The play is a tree and a story; a real story with strong ties and connections with my family history: my previous play was related with my grandma whom I lost during the pandemic because of the virus; this second piece is about my grandfather, who is still alive and almost 100 years old. A living legend; as old as the Turkish Republic.

 

Ana – There is a moment where the man is wondering if he should go back to the university. He confesses that before he felt he inspired people, but now nobody cares. And then he asks: “why do we need knowledge? (…) Revolution needs something else”, which can only be found out of the university. This part has touched me because we must speak about the complicity between the universities and war; between them and political powers. How is it in Turkey? What space occupies this reflection in the universities and other public spheres?

Ferdi – In this part there is also a connection with me: I teach at different universities at the same time. I have the chance to speak to the generation of today, to the people around 18 / 20 years old. But, art students in Turkey are not always 18 years old – adults are also interested in getting art education, writing, etc. However, I find it difficult to communicate with them; to create a connection with people and students with whom I talk at university. And also: we listen, we read from the books, from the legendary professors from the old ages, how they have a relationship with their institutions, with the students. I studied at Istanbul University throughout my education career: I started in 2006 and I finished in 2019. For 14 years I studied here and I worked with really living legends at the university. Istanbul University is a special one: it's a university where people have a very strong political stance. During the revolutionary times in the 60s, 70s, 80s, Istanbul University became the symbol of resistance. The square in front of the university is a symbol for revolution. So, I grew up listening these stories from our professors. When I started teaching, I had in my mind the idea that I would have a similar relationship with my students, inspire them with ideas and thoughts, but no. Nobody is interested in anything today. It's a generation of Wikipedia, Netflix and Chat GPT. People don't care about being inspired. They have practical solutions in life: “Tell me this, tell me that. Give me the diploma. I will just find something to make money.” The young generation is now more pragmatical and opportunist in terms of finding ways. This is totally understandable, but still – I feel a disappointment.

 

Ana – “Reality is like an alive organism. At this moment we are speaking through this screen (…) And I'm receiving messages and calls on the phone.” Is this another ‘new reality’ that contributes to the disappointment you feel?

Ferdi – That’s a direct reference to Tennessee Williams: in the opening pages of his play The Glass Menagerie, he speaks about the way in which he tries to talk about the reality around him. Now we live in the 21st century and we still have the difficulty of evaluating the things which are happening around us, to give them a meaning. This is the fate of humanity. But I believe that in each time, in each period of history, people have the urge to talk about the issues which affect them, to give a meaning, to try to say something. So, that's a sentence coming from the modern classics, but today we need the same urge.

 

“In the past and today, people want to leave the country for different reasons. (...) He sees a dead body on the coastline, but he says: 'let’s go that part, not stay here. The police will come, I’m sure. (...) Nothing is happening. Come on.' ”

 

Ana – Still related to this, you also introduce a binomial between words and actions: “I want to focus on action, I trust words less and less.” Is this disbelief in words another disappointment that you feel?

Ferdi – I don't want to use the word hypocrisy, but there is some hidden hypocrisy there: in the beginning of the play, the artist goes to the coastal region of Turkey, which is close to the Greek islands. During the 60s and the 70s, the revolutionaries used to escape from the center of Istanbul to the coastal places, because they felt that they should not be in front of the people. So, they ran away, they escaped. And sometimes they had boats to take the friends to the other side of the coast, to escape from the country. It's a border, which is demarked with sea. In the play, during the summer holiday, he goes with his wife to the coastal area to talk about the revolutionary times. He wants to see what is happening today. And today we have the problem of migration: people are getting on the boats and trying to leave the country illegally to the Greek islands. In the past and today, people want to leave the country for different reasons. This artist goes there to do field research, to see what’s happening there. He sees a dead body on the coastline, but he says: “let’s go that part, not stay here. The police will come, I’m sure.” He takes the girl, asking her: “no, no, no! Don’t go there!” And the girl says: “but there’s fume coming from there. The forest is burning there.” And he says: “I think it's because of the wind. Nothing is happening. Come on.” There is hypocrisy here, of course. You have the theory and you have the action, but sometimes you don't act.

 

Ana – As if we were all sleeping, dormant, eating our popcorns and watching. You also add that “given to the conditions of Istanbul, it seems to be harder and harder to continue” and also that “in those days, anyone who had a brain was from the left-wing.” To someone who is not deeply into Turkish politics, could you speak a bit more about this context? What time was that?

Ferdi – It’s very ironic: there were members of my family who were also registered to the teacher's school, the oldest school from the Turkish Republic, but most of them couldn’t finish the school because of the politics of the 70s; because of the demonstrations and the revolutionary activities. They were beaten in the schools, on the streets. As a consequence, one of my uncles was registered in a boarding school. He was sent to that school because, in the previous one, somebody broke an electric bulb during a demonstration and the authorities blamed my uncle. He was detested and kicked out of the school. Today he still has some serious mental disorders because of these experiences in the school and during the political actions. That's why, in the play, my grandfather had the paranoia. The father always says: “they will shoot you on the street; they will kill you. Just be careful, stay aside.” This is the phrase that all the members of my family still say to each other. I went to Istanbul University and my mom used to be also into the politics at university. In the text, when the father says that ‘in those days, anyone with a brain was left-wing’, he is recognising that anyone who thinks correctly is a leftist, a revolutionary. He knows what it's like to be like that and recognises that it's necessary, but it's a complex situation: although he recognises it, he doesn't want his children to be part of the system; he wants them to be careful.

 

Ana – Still at this discussion about going back to the university or not, the woman tells to the man that “teachers always said that he had an impressive capacity for observation.” And then she asks: “is it really something from you or is it something you've imitated from someone else?” Do you think that we are getting homogenized? Do you fear that we are losing our authenticity?

Ferdi – As artists, we have the capacity of speaking influentially and that’s a tool that you can use towards everybody – sometimes in a manipulative way. As an artist and a professor, I try to understand – I read, I discuss, I am talking to people and trying to intellectually develop myself, and I do this because I want to write, I want to create. Creation is the biggest problem for an artist, but for a professor it's not the case. The case is trying to give what you have to the people around you, to share, to make them develop themselves. When I teach for a full day, I feel empty. I give everything to the people around me, and I feel like a scarecrow, a soulless person.  Then, what am I going to do now? I'm a writer, I was supposed to write something. Am I a writer? This is a dilemma, because I have to work, I have to teach for money, for my living, but I also want to create.

 

Ana – “It's so hard to be always innovating. (…) That's always something that they want from us. The only thing they want from us are stories told in tears, always feeling pity.”  Says the man. Where do these pressures of being always creating and having new ideas, as if we were asked to be the public relations of our ourselves; of our own existence; of the world; come from?

Ferdi – In Turkey we always try to write new plays and to deal with new forms and new theatre making styles, especially because we have been working on this project of ‘New Texts’ for many years. I was working for this project, dealing with all these countries, exchanging, bringing people here. We invite people from all over the world, but when it comes to send people from Turkey to another country, European or not, it's always problematic. I do think sometimes nobody needs our stories, or sometimes they need our stories in a certain way – just the stories that are told in tears, in an agitative way.

 

Ana – In a scenic information, it is written: “they are in front of the luxury hotel that could be in any other part of the world.” Could you speak more about this idea?

Ferdi – I really like to play with other playwrights. This is a direct reference to Sarah Kane. In the very first lines of her first play, Blasted (a play mainly focused on an old guy and a young girl, more or less like in my play), she says, “in a hotel room in Liverpool, as luxurious as the one which could be found anywhere in the world.” We are living in this capitalist world and in a ‘global village’ where those hotels occupy a universal space. We have Wyndham hotels all around Europe – when we go to Norway, we have Wyndham; when we go to Spain, we have Wyndham. It's not something local. All the capitals are more or less the same in Europe. They are reconstructing the cities everywhere.

 

Ana – What do you mean when you say that you “always tried to tell a story from a social class to which you didn't belong”?

Ferdi – These characters (the father and the writer) have something from me and from my personal and familiar history. At the end, the long monologue is my story. It’s like I am giving a secret to the audience. It’s a kind of confession text. The story is set in Nişantaşı, which is symbolic for artists and the intellectual and bourgeois people; a place where they used to live. I live in Nişantaşı today, just on the border street. So, it's a really funny story that I mock myself, that I am a petit bourgeois, because I'm trying to tell stories in Nişantaşı, sitting in my desk. I might look like a bourgeoisie, but I am not (especially if we think that, for example, my grandfather is still living in the village).

 

Ana – Almost in the end of the play, there is this image of the dog and the boy at the cafe. How did this image appear? What did you want to speak thought this image?

Ferdi – Before I write a text, I start with a single image or a unique event that I have in front of my eyes. For this play, I knew it would be a story about a father and a son who would be trying to build up himself a career as an artist, and this image in the café in Nişantaşı was exactly the image that I wrote the play for. I was sitting with my two dogs, looking like a member of this bourgeois class, and my dog just goes and bites the leg of a waiter. This was a slap on my face; a moment where I saw the space between who I want to be and who I am in real life. There's a clash, an empty border between these two. You confront the reality.  I have been writing this play and the teeth of the dog is just standing on my writing desk. I still look to the teeth, that I save as a symbol.