"Um fluxo de vida": entre um rio e um palco, há uma 'Sala de Espionagem Interactiva'

Entrevista a Siri Bengtén
Por Ana Rita Rodrigues

18.06.2024

Estás n' A Turma, companhia de teatro sediada no Porto, Portugal. Ao fundo deste espaço, vês uma sala preta vazia, onde notas que há um corpo a passar as tardes. Sentado no chão, com papel e caneta, o corpo pensa, desenha, escreve. Dirias que este corpo está a preparar alguma coisa, e, se o dissesses, terias razão: lentamente, este espaço torna-se o seu espaço, um habitat temporário. Tu vês, mas não queres incomodar, por isso fechas suavemente a porta, à espera do momento certo para fazer perguntas. Fui essa pessoa durante alguns dias, observando, tentando suspender a minha curiosidade e respeitar o tempo que o corpo precisava até ao momento de me dar a conhecer o que estava a ser semeado naquele solo; o que estava prestes a nascer daquele papel que a vi embalar ao longo de oito semanas. Talvez a estivesse a espiar; talvez espiar seja um gesto inevitável a todo o ser curioso – compreendo eu agora, com a ajuda do corpo. Pouco a pouco, vi-a a reinventar e reenquadrar o significado destas paredes; vi o vazio desta sala dar lugar a uma instalação interactiva, formada por quatro momentos, onde se podiam identificar objectos como walkie-talkies, uma folha em branco e uma caneta esquisita, um Código Morse, entre outros. O que fariam todos estes objectos aqui?  O corpo que eu observava (espiava?) pertence a Siri Bengtén, actriz, escritora e encenadora sueca que recebemos no Outono passado, para terminar a sua peça "The Eyes of Mata Hari" (“Os Olhos de Mata Hari”). Na companhia de bolinhos e café, Siri falou-me sobre o processo desenvolvido entre estas paredes, o qual culminou numa “Sala de Espionagem Interactiva”, a apresentação pública que findou os meses de residência.

 

Ana – Lembras-te da primeira interação que tiveste com o Teatro? De como é que ele apareceu na tua vida?
Siri –
Foi muito instintivo, diria. Podia ter sido ideia minha, mas o meu pai era músico e a minha mãe artista plástica, pelo que o facto de ter vindo parar às Artes não é assim tão original; as Artes não são um "filho adoptivo". Ainda assim, antes de mim ninguém tinha ido para Teatro. Acho que [o Teatro] surge logo na escola primária, do facto de nos porem a brincar com outros miúdos e a representar. Fi-lo quando era muito pequena, por volta dos três anos, e dei por mim a pensar: "gosto mesmo disto!" – de fazê-lo e de ter pessoas a olhar para mim enquanto o faço. Eu era terrível em pequena, porque estava sempre a dizer aos meus irmãos ou amigos: "temos de fazer uma peça e mostrá-la!" Obrigava o meu irmão mais novo e toda a gente a fazê-lo comigo. Mais tarde, quando estava no sexto ano, talvez por volta dos 12, a obsessão continuou. Vi o filme “Moulin Rouge” e adorei. Depois, fiz com que todos os meus amigos fossem a minha casa durante um fim-de-semana: íamos fazer a peça e eu ia gravá-la. Então, passei duas noites a ver e a transcrever o “Moulin Rouge”; era pausa, transcrição; pausa, transcrição. Foi muito intenso. Assim que entrei na escola de Teatro, comecei a fazer todas as audições e tudo o que podia e havia por fazer. Era uma verdadeira obsessão. E aqui estou eu, hoje!

 

Ana – Neste tema da "espionagem", há algum contraponto que desejes criar com a cultura de vigilância em que vivemos?
Siri –
Vigilância e espionagem são temas que têm também uma dimensão política, mais séria. Mas, neste caso, houve sobretudo um interesse pela coragem. Quando pesquisei sobre estas espias, uma das questões que mais despertou a atenção foi: "como é que se consegue este tipo de coragem?" É que as vidas destas mulheres sobre as quais tenho estado a escrever e a pensar são espantosas e incríveis, mas também horríveis, porque muitas das espias durante a II Guerra Mundial acabaram muito mal. Elas sabiam que isso ia acontecer – quando foram para a operação, foi-lhes dito que a esperança de vida era de seis semanas. Isto significa que elas iam para a missão sabendo de antemão que provavelmente iriam morrer muito depressa. Comecei a interessar-me mais por um aspecto político actual: a Suécia foi um país muito social-democrata e socialista, mas está a tornar-se mais liberal. Somos historicamente conhecidos por sermos unidos, mas sinto que estamos a tornar-nos muito individualistas. Pergunto-me então se as espias diriam as mesmas coisas, hoje: é que o que fizeram foi um acto tanto nacionalista como anti-nacionalista. Há nisto uma sensação de pertença a algo, e não apenas o pensamento "então e eu e a minha vida?"; era uma mentalidade diferente. É claro que todas elas expressavam uma grande preocupação e ódio contra o regime Nazi – e iam nessa missão em nome das pessoas que estavam a sofrer, e é muito heroico. Foi por essa razão que me interessei pela coragem das espias – por se exporem enquanto mulheres. Nessa altura, escolherias fazer algo simultaneamente tão perigoso e corajoso? E, para mais, numa posição em que as espias nunca tinham tentado antes. E há uma questão que foi muito pouco abordada:  estas espias não tinham o mesmo seguro de vida que os homens, porque a ideia era: "[com os homens] se algo de muito mau acontecer, temos um plano para voltar e apanhar-te", ao passo que com as mulheres não havia esse plano. Portanto, o que está em causa é a coragem, mas também o oposto: a fraqueza, quando aceitamos recuar, ser corajoso e fazê-lo. Foi uma decisão, uma escolha.

Adultos que gostam de brincar e de ver

 

Ana – Sobre a peça "Os Olhos de Mata Hari": quando é que ela começou? Qual foi a primeira coisa que criaste para ela?

Siri – Eu já estava por dentro da História das mulheres – as minhas últimas peças foram sobre a vida e o destino delas. Tenho lido muito sobre as vidas especiais de mulheres ao longo da História. A minha avó (que é muito querida e, diria eu, a maior fã do meu trabalho, muito querida e aquilo a que, na Suécia, chamamos "kulturtant" – "senhora da Cultura", alguém que gosta de Cultura) deu-me um livro que falava de cerca de sete espias famosas, e lê-lo foi muito interessante. A par disso, achei o tema da espionagem muito lúdico – é um tema que já foi trabalhado em muitos filmes, mas que não deixa de estar relacionado com algo misterioso ou que remete para o universo de James Bond. Senti que seria estimulante explorar o tema desta forma, mesmo que estejamos a falar de vidas muito sérias. Não sei se o fazias também em criança, mas lembro-me de gostar de espiar os vizinhos e fazer coisas do género – uma dimensão que também faz parte da peça. Há muito tempo que acho engraçada a ideia de o público ver os actores a fingirem ser outra pessoa. Uma espia também tinha de fingir ter um alter ego, e aqui existe o mesmo tipo de jogo: representamos ou fingimos ser outra pessoa, protegidos de alguém. Ou seja, trata-se também de nos observarmos uns aos outros

Houve um Verão em que eu, a trabalhar num teatro, olhei para aquelas pessoas adultas e pensei: "são apenas adultos que gostam de brincar!" Perguntei-me: "e o público? São só adultos que gostam de ver!" Eram adultos que gostavam de brincar e de ver, e isso era engraçado. É claro que o Teatro pode ter outros papéis nas Artes e na Filosofia, mas, na sua génese, trata-se de brincar. Vejo muitos vídeos e memes de animais (Shhh! É um segredo meu), e os mamíferos adultos (cães, por exemplo) adoram brincar. Os bebés gostam ainda mais, mas, pensando nos adultos, é tão estranho que estejamos nesta sociedade a tentar fingir que somos adultos bons e rigorosos, quando, na verdade, também somos mamíferos e precisamos de brincar, tal como os mamíferos animais.  Somos iguais! Na base, a ideia é essa: abraçar a brincadeira e a diversão. É uma necessidade humana.

 

“Porque é que é tão difícil agir?
Onde é que estavam os adultos?
Trata-se de encontrar coragem nos outros.”

 

Ana – "Responsabilidade" é um dos teus principais temas de investigação. Nomeadamente aqueles que são "responsáveis por actuar em tempos de injustiça e terror". Quando o disseste, o povo palestiniano foi a primeira coisa em que pensei. Influenciou de alguma forma a direcção do teu trabalho e do teu pensamento?
Siri – Acabei o primeiro esboço de um guião que estava a preparar no dia em que a Rússia invadiu a Ucrânia. Não sei se aconteceu também em Portugal, mas esta situação levou muita gente na Suécia a parar para pensar: "temos paz há muito tempo, mas, e se isto acontece aqui?" É claro que não é a mesma coisa que o caso palestiniano, mas faz-nos pensar mais sobre o que acontece actualmente. O individualismo é muito complicado: provavelmente só temos uma vida na Terra e queremos aproveitá-la ao máximo, por isso perguntamo-nos: "porque é que eu sou tão importante?" Eu importo-me; preocupo-me comigo, porque é ao fazê-lo que crescemos. Mas sinto que, hoje, é demasiado fácil dar um passo atrás e dizer: "isso não é comigo"; "não tenho nada a ver com isso".
A ironia é que pode acontecer a qualquer pessoa, e é claro que devemos tomar uma atitude e fazer alguma coisa. Porque é que é tão difícil agir? Quando eu era pequena, detestava injustiças – deixava-me muito chateada saber que havia bullies na escola. Em adolescente, se alguém estivesse deitado na rua, eu parava e perguntava: "olá, estás bem?” Lembro-me de ser muito jovem, tentar pedir ajuda a adultos e me aperceber de que ninguém estava a fazer nada. Aos 14 anos tive de chamar uma ambulância. Onde é que estavam os adultos, nesse momento? Portanto, esta peça é sobre uma adolescente que tem um grupo na escola que representa o terror e os bullies. Para a escrever, lembrei-me de como me sentia quando era pequena, e acho que ela reflecte esta pergunta que eu fazia: "se nunca vires um adulto a representar, como é que tu próprio podes representar?" É por isso que a espia vem ajudar esta rapariga: ela tem orientação – não dos pais, mas da espia. Trata-se de ganhar coragem a partir de um ídolo ou de outra pessoa quando não se tem mais ninguém que nos possa mostrar o caminho. De encontrar coragem nos outros.

 

O lugar da Arte numa sociedade em tempo de crise

Ana – Posso pedir-te que fales um pouco sobre o que representa para ti essa ligação entre Arte e Política?
Siri –
Penso que os políticos e as instituições devem dar uma resposta / uma protecção à sociedade, mas a imagem de que todos os artistas têm de ser políticos para ser artistas e que todas as artes têm de ser políticas tornou-se um pouco distorcida. Se eu visse algo que me fizesse querer actuar socialmente, provavelmente ficaria muito feliz, enquanto indivíduo, porque sou uma pessoa muito política, mas é importante que a Arte se separe dessa ideia de ter de haver necessariamente uma ligação com a política. Esta é uma pergunta difícil porque existem linhas ténues: é claro que será diferente se eu estiver diante de uma peça racista. Devia haver mais debates sobre este assunto, porque estamos a falar do lugar das artes numa sociedade em tempo de crise. É difícil pensar que a Arte tem um lugar importante nesse tempo, mas ela também está presente nas histórias que contamos aos nossos filhos ou nas canções sobre os pássaros que cantamos para manter toda a gente calma e segura nestas situações horríveis de guerra. Deve haver um lugar para isso. Hoje vemos as Artes como um privilégio, mas para mim é apenas uma necessidade básica – precisamos de comida, precisamos de água e precisamos das Artes porque precisamos de pôr as nossas mentes a funcionar em condições.

 

Ana – Estamos quase a iniciar a apresentação pública do trabalho que tens vindo a desenvolver durante este tempo n' A Turma. Como foi este processo, desde o primeiro passo que deste? Quais foram as tuas maiores preocupações e anseios?
Siri –
Quando comecei esta peça, tinha uma história muito clara com os espiões e esta rapariga que precisa da ajuda deles, mas interessei-me desde logo por objectos didácticos relacionados com a história da espionagem. Uma vez que, na Suécia, esta peça será dirigida a escolas secundárias e a público de idades compreendidas entre os 13 e os 15 anos, pensei que seria divertido criar esta ligação com os objectos, para não perder o carácter lúdico da peça. Este tema comporta várias dimensões que nos deixam curiosos e quis trabalhar com elas através deste paralelo: o texto tem ocupado o seu próprio espaço, e depois tenho trabalhado com objectos e com a comunicação entre estas duas vertentes.
Queria fazer uma apresentação pequena, mas especial, combinando os objectos e os textos; aproveitar este momento em que o público vem chegando e experimentando para tentar ligar essas duas partes. Quando a apresentar na Suécia, talvez venha a ser diferente, mas entusiasmou-me a ideia de guiar as pessoas com o Código Morse, a tinta invisível e os walkie-talkies. No fundo, é uma brincadeira minha:  gosto muito de escape rooms e coisas do género, e, mesmo que esta instalação não se trate de uma, é um espaço onde se pode experimentar algo divertido. Isso cria uma certa tensão e interesse, e daí que tenha desejado combinar estes dois mundos. Faz-nos sentir que estamos a um passo de ser este espião, ainda que se trate de um nível meramente experimental. Talvez pareça muito dramática a ideia de estares a ser um espião da vigilância britânica, mas o objectivo é levar-te numa missão e a pensar: "eu conduzo-te ou tu conduzes-me; eu tenho informações e tu vais obtê-las". Queria jogar com a estética do espião e com esta dinâmica de poder. Trata-se de uma primeira experiência, por isso não sei como é que vai correr. Posso falhar, mas, para mim, mesmo quando estou em palco, este deve ser um espaço para falhar, sempre! Foi sobretudo depois da pandemia que me tornei mais interessada e curiosa em relação às diferentes maneiras pelas quais o público pode chegar a um espaço: não é só sentar-se, ficar quieto e assistir. Na verdade, para algumas pessoas esse é um lugar assustador. É uma pressão. Mas pode ser um momento divertido. É bom "agitar" essa ideia: queria ser mais interactiva e montar as coisas de outra forma.

 

Ana – E permitir que a audiência faça também parte do processo?
Siri – Sim! É um passo que permite ao público aproximar-se do projecto – mais do que aconteceria se ficasse apenas sentado, a observar. Podemos fazê-lo como eu o tenho feito, e talvez pensar em maneiras completamente novas de o fazer; maneiras que eu ainda não descobri. Por outras palavras, espero que o público me dê algumas impressões sobre o projecto e me diga: "não gostei desta parte", "foi aborrecido", "foi interessante" ou "não percebi este momento" – para mim, essa é a melhor parte: tentar e ver o que acontece.

 

Ana – "Cooperação" é uma palavra-chave neste trabalho, no qual a condição principal é fazer com que ambos os participantes confiem um no outro. Gostava que explorasses esta ideia; a importância dela.
Siri – Acho que essa é uma parte importante na história: há uma rapariga na peça que não tem coragem porque não a vê em lado nenhum, e precisa de exemplos que a revelem. Depois temos o espião – um superior que nos contacta e vigia. Estas são duas das personagens da peça que são baseadas em duas pessoas reais da resistência política. Elas dizem: "vais estar numa missão e eu vou dar o meu melhor para te proteger e guiar". Uma dessas personagens, Noor, foi traída por uma das pessoas que ela achava que também fazia parte da resistência. Por isso, trata-se também de confiar, de ser suficientemente corajoso para confiar nalguém – mesmo sabendo que não se pode fazê-lo. É realmente assustador não o saber e perguntarmo-nos: "será que estas pessoas se vão virar contra mim?" Não tem de ser tão dramático como se fosse uma questão de vida ou morte, mas... Acho que a lealdade está cada vez mais a perder valor. Sinto que a vontade antiga de ficar com algo ou alguém é realmente forte e bonita; "fazer uma promessa", dizer "vou confiar em ti", "vou tentar manter-te vivo" ou "vou fazer isto". Essa escolha que um ser humano pode fazer é bela e poderosa. Isto é um aparte, mas penso na separação – é tão fácil deixar as pessoas irem embora, e isso é algo a que me recuso; algo que perdemos no compromisso a longo prazo, penso.

 

Ana – Não é a primeira vez que desenvolves uma criação interactiva – é um formato ao qual já estavas habituada. Como é que ele surgiu?
Siri –
Andei numa ‘escola de performance política’ durante um ano, e nela conheci professores maravilhosos. Um deles fez uma experiência em áudio durante uma caminhada, e foi a coisa mais emocionante que já fiz! Havia um percurso pela cidade e os meus colegas iam-me orientando pelo telefone até que eu descobrisse qualquer coisa. Esta dimensão interactiva fez-me perceber que posso trabalhar a Arte desta forma. Deu-se uma espécie de abertura: tenho trabalhado tanto e durante tantos anos com manuscrito, papel, teatro e encenação, que acabei por perceber que o poderia também fazer desta maneira. Lembro-me muito bem desse momento; é uma memória muito forte. Gostei da ideia de brincar com diferentes salas e contextos; de fazer parte da experiência; de me aproximar do projecto de outra forma.

 

Ana – Regressas à Suécia depois desta apresentação. O que levas do Porto e deste tempo que passaste aqui, n' A Turma?
Siri –
Preciso de tempo para pensar em todos estes sentimentos maravilhosos... levarei muita independência e liberdade. Estou habituada a trabalhar em residências artísticas, mas normalmente com a duração de apenas um mês. Dois meses em residência foi algo novo, mais longo. Além disso, tenho estado em diferentes países na Escandinávia, mas nunca tão longe. Foi muito interessante conhecer-me e conhecer o meu trabalho num lugar novo e tão acolhedor, divertido e vibrante, que me preencheu com inspiração, espaço e tempo. Andar pelo rio e pensar sobre ele inspirou-me muito. Há um sentimento muito forte de protecção e proximidade com a água. O Porto é um lugar carregado: há o rio, e depois o oceano, ao fundo. É um lugar com uma energia forte. Isso existe na água e nos movimentos; é uma cidade em movimento. Não é uma correria, mas há qualquer coisa de comovente. É um fluxo de vida.

 

Ana – Falaste de liberdade e independência. Sentes que foram duas condições importantes no processo de escrita? Como é que se gere a relação entre estar fechado numa sala, a escrever, precisar de sair, e depois voltar?
Siri –
Tem sido óptimo vir tantas vezes para esta sala. Durante as primeiras seis semanas de trabalho, sempre que vim para este espaço foquei-me unicamente em escrever para a peça, deixando de parte outros assuntos ligados à residência, como questões administrativas. Portanto, esta sala está directamente relacionada com o sítio onde escrevo. Trata-se de permitir que um espaço seja apenas o espaço da escrita. Mas é importante não passar muito tempo de volta dele. Não sei como é que as pessoas conseguem estar sentadas durante oito horas seguidas, é uma loucura! Eu não o conseguiria. Neste caso, ao longo de oito horas posso parar para, por exemplo, experimentar a tinta invisível, mas passar esse tempo unicamente a escrever seria impossível; demasiado. Também escrevi muito na Biblioteca Municipal, é um sítio muito bonito!

Ana – Então... devo acrescentar a Biblioteca Municipal aos agradecimentos da "Interactive Spy Room"?
Siri –
Sim! E o Dona Mira, também. É importante dizer que estou genuinamente muito grata à A Turma por me ter convidado e escolhido, porque tem sido uma experiência e um prazer maravilhosos. É por vossa causa que estou aqui.

 

«Uma obsessão, de acordo com o meu velho dicionário da Random House, é “alguém ter os pensamentos ou sentimentos dominados de forma persistente por uma ideia, imagem, desejo, etc.” A obsessão pode ser uma ferramenta útil se for uma obsessão positiva. Usá-la é como fazer pontaria cuidadosamente no tiro ao arco.

 (...) Aprendi a apontar para o alto. A apontar acima do alvo. A apontar mesmo para ali! Relaxar. Deixar ir. Se apontasses bem, acertavas em cheio. Via a obsessão positiva como uma forma de te apontares, à tua vida, para o alvo escolhido. Decide o que queres. Sonha alto. Avança.»

 ("Obsessão Positiva", de Octavia E. Butler. Limoeiro Real, pp. 79 – 91. Tradução do inglês por Patrícia Azevedo da Silva.)

 

 

You are at A Turma, a theater company based in Porto, Portugal. At the back of this house, you see an empty black room, where you notice there's only one body spending their afternoons. Seated in the floor, with paper and pen, the body is thinking, drawing, writing. You would say this body is preparing something, and you would be right: slowly, this space becomes her space, a temporary habitat. You see it, but you don’t want to disturb, so you gently close the door, waiting for the right moment to ask questions. For some days I was this person, watching, trying to suspend my curiosity and to respect her time to let me know what was being seed in that ground; what was about to born from that paper which I saw her rocking, as a baby, for eight weeks. Maybe I was spying her; maybe to spy is an unavoidable gesture for every curious human being – I now understand, with her help. Slowly, I saw the body reinventing and reframing the meaning and significance of these walls; slowly, the emptiness of this room gave space to an interactive installation, composed of by four stages, where you could identify objects as walkie-talkies, a white paper and a weird pen, a Morse Code, among others. What are all these objects doing here?  The body I was watching (spying?) belongs to Siri Bengtén, a Swedish actor, writer and director who we welcomed last Fall, in order to finish her play “The Eyes of Mata Hari”. In the company of cakes and coffee, Siri told me about the work she has done over the past two months, which has resulted in this "Interactive Spy Room".

 

Ana – Do you remember what was the first interaction you had with Theater, how did it appear in your life?
Siri –
It was very instinctive, I would say. Maybe I thought it was my own idea, but my dad was a musician and my mother was an artist, so it’s not that original that I went into Arts; Arts are not an “adoptive child”. But nobody had done Theater, before! I think it comes from playing with kids at pre-school, and making them perform. I did it when I was really little, when I was three years-old, and I found myself thinking: “I really like this!”, to do this and to have people looking at me when I’m doing this. In my family it is a joke that I was really terrible when I was little, because I was always saying to my siblings or friends: "we have to make a play and show it!" I would force my little brother; I would force everybody to do it with me. Later, when I was in the 6th grade, maybe at 12 years-old, the obsession just continued. I saw the "Moulin Rouge" movie, and I loved it. Then I made all of my friends come to my house for a weekend: we were going to make the play, and I was going to record it. So, I set up all night, looking at the DVD of "Moulin Rouge" and transcribing it: pause, transcribe; pause, transcribe. It took me two nights to do it! It was really intense. As soon as I got into the Theater school, I just started to do every audition, everything I could do. So, truly an obsession. And here I am, today!

 

Ana – In this topic of “espionage”, is there any counterpoint to the surveillance culture we’re living under?
Siri –
The surveillance and the espionage have also a more serious political aspect, but in this case it was actually more about the interest in the courage. When I researched about these female spies, one of the things that I first got stuck with was the question: “how do you obtain this kind of courage?” The lives of these women that I’ve been researching, writing and thinking about, are just amazing and incredible. But also horrible, because a lot of the female spies during the II World War ended very badly. They knew it would happen – when they went to the operation, they were told that their life expectancy was six weeks. This means they are going into the mission and knowing that they were probably going to die very quickly. And I got more interested in the political aspect of today: in Sweden, we come from a very social democrat and socialist country, but now it is getting more liberal. We have a history of being more united, but now I think we are very individualistic. So, I was wondering if the female spies would say the same things today, because what they did was nationalistic in one way, and opposing nationalism per se, but it's still something about belonging to someone and not just the thought "what about me and my life?" – it's a different mindset. Of course they all express such worry and hate against the Nazi regime and they say they are doing this for the people who are suffering, and that's very heroic. So that’s why I was more interested in the courage in the female spies; in being exposed as women. That time, would you choose to do something so dangerous but also so brave? And in a position where the female spies hadn’t tried that before. And it was so undercovered: these female spies didn't have the same life insurance than the man, because the thought was: "if something really bad happens, then we have a plan to come back and get you", but the women didn't have the same insurance to do it. So, it's really about the courage, but also the opposite of that: the weakness, when I say "okay" to step back, be brave and do it. It was a decision, a choice.

Grown-ups who like to play and to watch

Ana – About "The Eyes of Mata Hari": when did it exactly start? What was the first thing you did for this play?
Siri – My last plays were about women's lives and destinies, so I was already beneath the women’s history, and I have been reading about a lot about special lives of women through history. And then my grandmother (who is, I would say, the biggest fan of my work, very sweet and what we call in Sweden "Kulturtant", the "culture lady" – someone who enjoys culture) gave me a book, asking me: "have you looked this one!?". That book had around seven famous female spies, and that was so interesting! I also felt the theme of espionage was very playful. It has been done in a lot of movies, but it is also more connected with something mysterious or maybe like James Bond. I felt it was very funny to explore the topic this way, even knowing it was about super serious lives, of course. I don't know if you did it as well as a kid, but I remember to like to spy the neighbors and things like that – which is also a part of the play. I thought pretty early that it was also funny with the audience watching the actors pretending to be someone else. A spy would also pretend to have an alter ego, so it's the same kind of game: you act or you pretend to be someone else, shielded from someone else. So, it's also about watching each other.  

There was this Summer when I was doing some theater thing, and I was looking at these grown-up people doing lots of funny things, and I thought: "these are just grown-ups who like to play!” And I asked myself: “what about the audience? Those are just grown-ups who like to watch!” They were grown-ups who liked to play and to watch, and that was funny. Of course, Theater can do more into the Arts and Philosophy, but, from the basis, everything is about playing. I watch a lot of funny animal videos and memes (Shhh! It's an interest of mine), and grown- up mammals (dogs, for instance) love to play! The babies like it even more, but, thinking about the grown-ups, it is so weird that we are in this society trying to pretend that we are good and strict grown-ups, when in fact we are also mammals and we also need to play just as the animal mammals.  We are the same! So, I think this basis is about that too: to embrace the play and the playfulness. It's a human need.

 

"Why is it so hard to act?

Where were the grown-ups?

It is about finding courage in others."

Ana – “Responsibility” is one of your main investigation topics. Namely the ones who are “responsible to act in times of injustice and terror”. When you told me this, the Palestinian people was the first thing that came to my mind. Did it somehow influence some direction of your work and thought?

Siri – I finished a first draft of a script in the day that Russia invaded Ukraine. I don't know if it was the same for you here, but it made a lot of people in Sweden stop to think: "we have had peace for a long time, but, what if it happens here?” Of course it is not the same as the Palestinian case, but it still makes you think more about what happens today. The individualism is very complicated: probably we just have one life on this Earth, and of course you want to make the most out of it, so why we ask ourselves: “why should I matter so much?” I mean, I do! I care about myself, because that's how we grow up. But now it is too easy to take a step back and say: "that's not on me”; “I have nothing to do with that”. The irony is that it can happen to anyone, and of course we should step up and do something. Why is it so hard to act? When I was little, I really hated injustices – when I knew there were bullies at school, I was very upset. When I was a teenager, if someone was lying on the street, I would stop and ask: ‘hey, are you okay?’. I remember to be very young, trying to get help from the grown-ups and realizing: “nobody is doing anything”.  I was 14 when I had to call an ambulance. Where were the grown-ups? So, this play is about a teenage girl who has this group in the school which represents the terror and the bullies. To write it, I was thinking about how I felt when I was little, and I guess that it reflects this question that I had: “if you never see a grown-up acting, how can you act yourself?” That’s why the female spy comes to help this girl: she has guidance – not her parents, but the spy. I think it's about getting courage from an idol or someone else when you don't have other people who can show you the way. It’s about finding courage in others.

The Arts place in a society in a time of crisis

Ana – Would you like to speak a bit more about what the connection between Arts and Politics represents for you?
Siri –
I think politicians and institutions should give a response or protection of the society. It got a bit twisted when we came up with the image that all the artists have to be political to be artists, and that all Arts must be political. If I see something that makes me want to act, as a private person I would probably be so happy – because I'm a very political person, but it is important for Arts to separate it from that necessary connection. This is a hard question because there are fine lines here – if I see a racist piece, of course it will be different. I think there should be more discussions about it, because it's the question of the Arts place in a society in a time of crisis. It’s hard to think that Arts have a big place, but I think that just like the stories we tell our children or the songs about the birds that we sing to keep everybody calm and safe in this horrible war situations, that's Art, too; there must be a place for that. We now see Arts as a privilege, but to me it's just a basic need – we need food, we need water, and we need Arts because we need to get our minds going well. 

 

Ana – We are almost starting the public presentation of the work you have been developing during this time at A Turma. How was all this process, since the first thought you had? What were your biggest concerns and desires?
Siri –
When I started doing this play, I had a very clear story with the spies and this girl who needs their help, but then, very early I was also very interested in many fun little objects connected to the spy thing. So, I thought that since my play is talked in Sweden to be for high schools 13 to 15 years old, it would be fun to create this connection with the objects. I didn't want to lose the playfulness of it, because it's there: you can use all of these objects. I was interest in work with walkie-talkies, Morse Code, and the invisible ink. There are so many different parts that make you curious – I wanted to work with that, as well. It has been about this parallel: the text has taken its own space, and then I have been working with objects and the communication between them. I wanted to take the chance now, when the audience is coming and people will experience and try to connect my text with all these objects. I wanted to make a special little presentation here, combined with the objects and the texts. And maybe it will be different when I put it up in Sweden, but I was excited to try to guide people with Morse Code, invisible ink and walkie talkies. It was my own playfulness! I really like escape rooms and stuff like that (I think that's the funniest thing ever!), and even if this is not an escape room, it's something where you can try playful things. It creates a certain tension and interest, so I really wanted to combine those two worlds. Apart of it – and of course it is not super achieved because it's such a trial level, but it can make you feel you are one step away of being this spy. It may sound very much dramatic that you are being a spy for the British surveillance, but it is all about taking you on a mission and thinking: “I will lead you or you will lead me; I have information and you're going to get information.” I wanted to play with the aesthetics of the spy, this dynamic of power. And this is a trial! So, I don't know how is it going to be. I might fail and, even when I'm in stage, this is a place for failure, always! Specially after the pandemic, I got more interested and curious about how an audience can come to a space in different ways: it's not just sitting down and being quiet and watching. That’s actually a scary place for some people. It's a pressure. But it can be a really fun situation. It's good to ‘shake it up’: I wanted to be more interactive and set it in another way.

 

Ana – And to allow the audience to be part of the process?
Siri –
Yes! You get a step closer to the project, than sitting and watching. You can do what I have been doing, or try things that I have been trying, and maybe think of completely new things that I haven't found. In other words, I hope the audience will give me some thoughts about it, like "this part I didn't like", "this was boring", "this was interesting", or "this one I didn't get" – that's the best part: just trying and see what comes.

 

Ana – “Cooperation” is an important word in this work. The main condition is to make both participants rely on each other. Could you explore this idea?
Siri – I think that's a big part of it: there's this girl in the play who cannot get this courage because she doesn't see it anywhere else, and she needs some models to show it to her. Then you have the spy – a superior who contacts you, who is watching over you. These are two of the characters in the play who are based on two people who were like that in the real resistance. They would say: "you will be out in a mission, and I will try my best to protect you and to guide you." One of these people, Noor (in the outcome is one of the characters), she was betrayed by one of the people that she felt was part of the resistance, as well. So, it's also about trusting, being brave enough to trust someone – even knowing you can never trust anyone. It’s really scary not knowing that and asking ourselves: "will these people turn on me?" It doesn't have to be so dramatic as if a question of life or death, but… in my personal opinion, I think loyalty is more and more losing value. I think the old terms of sticking with something or someone are really strong and beautiful; to "make me a promise", to say "I will trust you", or "I'll try to keep you alive" or "I will do this." I think that choice is something beautiful and powerful that a human can do. This is really a side note, but I'm just thinking about the breaking up – it's so easy to let people go, and I think that's something I'm refusing to; something we lose in the long-term commitment, I think.

 

Ana – This is not the first time you are creating an interactive work – this is something you were already used to. How did this format appear in your work?
Siri
I went to a political performance school for a year, where I met great guest teachers. One of them made an audio walk and it was the most exciting thing that I have ever done in my life! My classmates made me a route in the city, and then they were guiding me on the phone, and I was going to find something. I have been doing it in a lot of different contexts, but that part made me think: “Oh! I can do Arts in this way!” You kind of open it: I've been working so much and for so many years with manuscript, role, theater and directing, that in the end I realized that "well, I can just do this". I remember this moment so strongly! It is such a strong memory. I just liked that idea of playing with different rooms and contexts; to be a part of the experience, too; getting closer to the project in another way.

 

Ana – You’ll be back to Sweden after this presentation. What will you take with you from Porto and from this time spent here, at A Turma?
Siri –
I have to take time to think about all these beautiful feelings... a lot of independence and freedom, I think: I have been working for myself with projects in different residences and I'm pretty used to that, but usually for only one month; two months was much longer. And I have been in different places around Scandinavia, but not so far. It was really interesting to getting to know myself and my work in a new place that was so welcoming, fun and vibrant. It was just filled up with so much inspiration, space and time. And walking around the river and thinking about the river made me very inspired. It's such a strong feeling of protection and closeness to water. It’s a really loaded place; you have this beautiful river, and then the great ocean. A place with such a strong energy. I think it is in the water and in the movements. It's a moving city. Not like a rush, but it's moving. It’s a life flow.

 

Ana – You were speaking about freedom and independence. Were they important for the writing moments? How is it to manage the relation between being closed in a room, writing, and needing to go outside, and then coming back?
Siri – It has been great to go to this room so often. I tried a thing during the first six weeks, which was: when I'm here, at the room, I always write the play, which means I don't start to do other things, like administrative things. So, this room is connected to the place where I write. It’s about allowing the space to be only the writing space. I think it is important not to do it for too long. I don't know if people can really sit for eight hours, that's crazy. I couldn’t do it. I can spend that time trying the invisible ink, but writing it's impossible, it's too much. And I also wrote a lot in the Municipal Library, it’s such a nice place!
 

Ana – So... should I add the Municipal Library in the “Interactive Spy Room” acknowledgements?
Siri –
Yes! Dona Mira as well. It is important to say that I'm genuinely very grateful to A Turma for inviting me and choosing me, because it's been a treat and a wonderful experience. It’s because of you that I'm here.

 

«An obsession, according to my old Random House dictionary, is “the domination of one’s thoughts or feelings by a persistent idea, image, desire, etc.” Obsession can be a useful tool if it’s positive obsession. Using it is like aiming carefully in archery.

(…) I learned to aim high. Aim above the target. Aim just there! Relax. Let go. If you aimed right, you hit the bull’s-eye. I saw positive obsession as a way of aiming yourself, your life, at your chosen target. Decide what you want. Aim high. Go for it.»

(“Positive Obsession”, by Octavia E. Butler: Kindred, Fledgling, Collected Stories (LOA, 2021), pp. 725–31)